*
Porque falei de futebol e porque ando há uns tempos para deixar sair aquilo que guardo cá dentro, aqui fica uma pequena crónica sobre a “ladainha” que o Presidente do Futebol Clube do Porto utiliza sempre que está de peito cheio, especialmente depois das vitórias no campeonato lhe sorrirem, e são já muitas.
Já sei o que vão dizer, que sou Benfiquista e que falo por despeito ou por inveja. Nada disso pois também nós lá pelo reino da Águia tivemos um que nos empolgou, mas que depressa verificamos que com ele não nos identificávamos. A este propósito virá certamente o argumento barato de que se o Benfica tivesse ganho muitos campeonatos com ele, jamais o contestaríamos... Estão enganados, pelo menos no que a mim diz respeito. Ao fim de pouco tempo já a minha voz se fazia ouvir entre os meus pares e pena tenho que mesmo gritando ou falando alto, não se tenha ouvido.
Mas vamos à crónica que se faz tarde. Que fique bem claro, que nada me move contra Pinto da Costa, e muito menos contra o FCP, onde tenho muitos e bons amigos e amigas. O que mexe comigo é o tipo de discurso do senhor, que sinceramente já cheira mal.
Quem como eu viveu na capital na década de setenta, por certo conheceu uma humilde pedinte, mal trajada e encurvada, de tez ressequida e de candeias às avessas com a água. Cesto de verga na mão e sapatos em adiantado estado de decomposição , de cabelo encaracolado e branco debaixo de um lenço escuro e sebento. Era assim que diariamente aquela pobre mulher calcorreava as ruas de Lisboa pedindo esmola. Diziam que não tinha as “cinco medidas bem aferidas” e por isso não regulava muito bem da cabeça. Penso que sim, que algum desarranjo a pobre senhora teria, mas isso que importava, nunca a vi meter-se com ninguém.
Várias vezes me cruzei com ela pelas ruas da baixa lisboeta e várias foram as vezes que lhe estendi a mão com uma moedita. Sempre soube que a sua “ladainha” era a mesma, mas mesmo assim nunca deixei de lhe dar o meu contributo para que se alimentasse o melhor que poderia, pensava eu.
Dado o seu aspecto e a falta de higiene que apresentava, nunca tive coragem para a convidar a entrar numa qualquer pastelaria para lhe pagar um simples bolo. Optei sempre pela esmola, desconfiado que o destino daquela moedita que lhe deixava nas mãos enrugadas pelo frio da noite que para ela sempre durou uma eternidade, era outro e não o de matar a fome que aparentemente deixava transparecer.
Era voz corrente em Lisboa que era descendente de boas famílias, e que esses, dela não queriam saber, dado ter escolhido viver na rua, logo após a morte do marido.
Foi um quadro do quotidiano lisboeta da época, como outros de que os alfacinhas se lembrarão, com figuras que também deixaram marca na memória da minha geração residente da capital do país.
Um dia falarei de alguns deles, mas hoje ocorreu-me a história e a imagem desta pobre mulher, por o seu Fado da Desgraçadinha ser sempre o mesmo, a “pedinchice”, sempre da mesma maneira: "Dê uma esmolinha para comer"
Faleceu uns anos mais tarde e ao que consta, logo após a sua morte, a verdade veio ao de cima. A referida pedinte deixara aos seus herdeiros, aqueles que dela não quiseram saber anos a fio, alguns prédios em Lisboa e uma conta bancária bem recheada. Nunca se soube bem como, mas o que se disse na altura é que todo aquele património era resultado de anos na “esmolinha”.
Interrogam-se vocês, a que propósito trago eu esta pobre mulher ao meu espaço. Pois bem, é que hoje, lembrei-me dela por ter ouvido mais uma vez, alguém pronunciar a despropósito, o Fado da Desgraçadinha em relação ao centralismo.
Não está em causa a pobre senhora que evoco, pois essa espero que Deus a tenha em descanso, nem tão pouco quem anda com a centralização na ponta da língua. O que está em causa verdadeiramente é o Fado, a tal ladainha que já cansa meus amigos.
Tenho amigos e família no Norte do país, também no Porto claro. Nunca fui nem serei defensor da divisão deste nosso Portugal, a nossa Pátria, em Norte e Sul. Sempre percebi que em Lisboa vivem 90% de descendentes do resto da Nação, e no meio deles fui educado. Aprendi a respeitar o meu semelhante e a viver em comunidade. Sempre me ensinaram a saber ganhar, mas também a saber perder.
Não afirmo que a injustiça do centralismo não se fez sentir na maioria das regiões do país, nomeadamente nas do interior, porque estaria a mentir. Mas que raio, quando ouço o Sr. Pinto da Costa, em todas as inaugurações da Casas do FCP, espalhadas pelo território, em especial naquelas que se situam a Norte, evocar que a vitória no campeonato não é só uma vitória do Futebol Clube do Porto, mas também e acima de tudo uma vitória contra o tal centralismo, fico sem perceber se esta “ladainha” que já chateia e cheira mal não será o mesmo Fado da Desgraçadinha daquela velhota que conheci muitos anos atrás...
Então não foi sempre no Norte que esteve centralizada a Indústria? Não é no Norte que está sediada uma grande maioria de organismos associativos e governamentais? Não são do Norte os mais influentes políticos da Nação? Não foi no Porto onde as vias rápidas mais cedo se espalharam? Não é no Norte que o “dinheiro” mais se centralizou por tudo isto? Não foi o Sul, particularmente Lisboa que gastou sistematicamente aquilo que o Norte produzia? Não é este o discurso do pobrezinho que passa a vida a reclamar mas que tem a conta desportiva bem recheada de troféus?
Senhor Pinto da Costa, já chega, pode acabar com essa lenga-lenga que já todos conhecemos. Aquilo que o senhor quer é fazer reverter a seu favor e a favor do seu clube, as simpatias da boa gente do Norte, a pretexto de uma desigualdade que o senhor evoca sistematicamente, que não desconheço nem refuto mas que no seu caso não faz qualquer sentido. É que o senhor é apenas o Presidente de um clube, grande eu sei, mas de um clube desportivo que a única coisa que persegue ou devia perseguir, era as conquistas dos muitos campeonatos onde se encontra envolvido e nada mais. Ou o senhor anda à procura de mais qualquer coisa?
Eu sei que é com “papas e bolos” que se enganam os tolos, mas o senhor não vai poder andar a enganar sempre o povo, nem fazer dele tolo, porque o povo só se deixa enganar até um dia.
O meu lema meu caro, é glória aos vencedores e honra aos vencidos, porque ambos lutaram e deixaram em campo o fruto do seu trabalho, e neste contexto, glória ao seu clube que a merece, mas não da maneira que o senhor a evoca, e honra aos vencidos.
Tenho cinquenta e nove anos e rejubilo com as vitórias internacionais que o seu clube conquista por essa Europa fora e que engrandecem o nosso país, mas não aceito, não posso aceitar a forma como o senhor sistematicamente se dirige à mole humana que o segue, deixando no ar um claro incentivo ao ódio das boas gentes do Norte contra os “mouros” do Sul, como lhes chamam aí pelo seu reino, e que são gente tão boa como o senhor.
Eu sei que são frases ditas no calor da noite, na entrega de alma e coração que faz ao seu clube e que fez dele um dos maiores de Portugal e da Europa, mas chega de provincianismo, chega de ironia bacoca que apenas pretende elevar-lhe o ego, provavelmente por se encontrar numa encruzilhada da vida na qual não teria gostado de se envolver.
De há uns anos a esta parte, que me lembre, nunca ouvi ninguém dividir mais este país em Norte e Sul, em Filhos da Nação e Mouros, tantas vezes quantas o senhor e seus parceiros o têm feito. Desde os tempos de José Maria Pedroto, grande mestre na arte de treinar e não só, digo eu, que esta “ladainha” ecoa pelos céus de uma das mais lindas regiões do território nacional. O seu FCP não precisa desse discurso, a gente do Norte também não. Se pretende entrar na politica faça-o às claras e não de forma disfarçada de paixão clubística e desportiva.
Não se sirva disso para chegar onde pretende, que Deus não dorme meu caro. Não está nem nunca esteve em causa se há centralização ou não, disso não falo nem quero falar pois também nunca fui governante. Sei, isso sim, que as populações do interior, sempre foram maltratadas e ostracizadas, mas neste caso, creio que o que está em causa é o aludir sistemático que o senhor sempre faz a matérias que não interessam para o momento. E vai ganhando mesmo assim a maioria dos campeonatos, o que seria se não os ganhasse...
Não encontrará o senhor outra forma de incentivar e mobilizar os simpatizantes e associados do seu clube? Será este o único discurso que conhece para congregar à sua volta os seus associados?
Não será por causa destes discursos que depois ouvimos aqueles lindos "hinos" que os seus associados cantam a Lisboa e ao Sport Lisboa e Benfica?
Vai sendo altura de perceber que esse discurso só serve alguns menos atentos e já ninguém vai na sua conversa, excepto uns quantos ceguinhos que ainda acreditam no Fado da Desgraçadinha. Deixe-se de demagogia barata, que a politica é para os políticos meu caro!
Que me perdoem os meus amigos portistas mas há muito que ando com esta atravessada e foi agora a altura de deitar cá para fora o que sinto. Não confundo nem misturo as coisas, pois o Futebol Clube do Porto é uma coisa e o Sr. Jorge Nuno é outra, bem diferente, pelo menos para mim e para muitos outros que não são portistas. Ganhar sim, mas não passando por cima de tudo e de todos, sem medir as palavras.
No fim deste pequena crónica, só posso dizer uma coisa, porque o resto é folclore. Custa muito mas tenho de o fazer:
PARABÉNS FUTEBOL CLUBE DO PORTO!
António Inglês
6 comentários:
Já tinha lido o post de ontem, mas não soube comentar.
Este ainda menos...
Bebo um copo de água das pedras e sigo em frente... :))))
Beijinho, António
Maria
Boa noite,eu também ando com bastante azia e tenho tomado alguns "compensan"...
Sigamos então...
Beijinho
António
Mano Tó!
Pois, amigo, fizeste a descompressão do que há muito vinhas contendo e que achavas teu dever dizer. E não foste parco em palavras. Até a desgraçadinha foi aqui chamada. E esvaziaste! Pois eu que sou do Algarve, pergunto: quando teremos dois ou três clubes na divisão principal do futebol? Lá para as calendas gregas? Ainda tenho que esperar. Sentada!
Beijinhos para ti e Viva o FCP!
Desportivismo é preciso.
Amigo, folgo encontrar aqui o emblema do meu clube. Quanto à ladainha do Pinto da Costa, é muito difícil o homem mudar de discurso. Nunca ouviu dizer que burro velho, não aprende linguas?
Um abraço
Isabel
Pois foi, desembuchei, mas creio não servirá de nada. Nem sequer era minha intenção alterar fosse o que fosse. Apenas me revolta este constante dividir do país sem que alguém diga alguma coisa a senhores como este.
Não questiono se é bom dirigente ou não, o que para mim está em causa é o palavreado.
A desgraçadinha só quis criar uma "ponte" entre o fado ou a ladaínha sempre utilizada.
Um beijinho
António
Elvira
Cada um de nós sabe que burro velho não aprende línguas, mas não é este o caso, porque velho estou eu, burro sou eu (pareço o Scolari...ehehe) e não tenho este tipo de discurso nem de palavreado.
Como sabe, as minhas costelas são quase todas do Norte e por isso muita coisa me liga à região, ao ponto de querer ir para lá viver e acabar o resto dos meus dias, logo nada me move contra as gentes do Norte do país, nem contra ninguém. O que me revolta é o constante dividir de Portugal entre Norte e Sul, entre os povos que habitam nas duas regiões do país.
Seja como for, e já o disse, Parabéns ao Futebol Clube do Porto.
Um abraço
António
Enviar um comentário