AFIFE
Vou contar-vos hoje uma pequena história da minha infância passada em Afife.
Naquela época, muitas aldeias portuguesas não tinham água canalizada, luz eléctrica, ruas e caminhos alcatroados etc, etc, etc.
Afife não fugia à regra, mas desde que me conheço, pelo menos a luz eléctrica existia na aldeia, embora não em todas as casas. Na casa de minha avó a luz chegou mais tarde e ainda me lembro de jantar à luz de pequenos candeeiros a petróleo. A água íamos buscá-la em bilhas de barro, eu e os meus primos, pequeno contributo que dávamos na lide da casa. Era uma encantadora bica de água de nome “pincho” se não me engano.
Na aldeia, existia e ainda existe, felizmente cheia de força e dinâmica, uma Associação denominada Casino Afifense, onde a população se juntava em amenas cavaqueiras e onde à noite ia ver a televisão, novidade que então apareceu.
Os tempos eram difíceis e para além de pouca gente ter luz eléctrica em casa, quase ninguém tinha televisão. Por isso era ali que o pessoal da terra se juntava para ir ver a TV, como se de cinema se tratasse.
O Casino está localizado bem no centro da aldeia, junto à Estação da CP e assim de fácil acesso aos grupos das gentes que ali se dirigiam para uma noite bem passada. Este grupos eram maioritariamente constituído por mulheres e rapaziada nova, que os homens ou estavam emigrados, ou então para lá iam mais cedo.
As gentes minhotas sempre foram muito devotas e isso está bem patente nas inúmeras capelas que esta aldeia minhota de casario branco, como era seu orgulho, tem pelos montes que dela fazem parte.
Jovem eu, reunia-me também no Casino com pessoal do meu tempo e como não podia deixar de ser muitas maroteiras fazíamos por aquela terra. Esta particularmente, tenho de a contar.
Conhecedores do temor e respeito que aquelas mulheres minhotas tinham, e têm, pelas coisas religiosas e pelas muitas histórias do “além” que polvilham a mente do nosso povo, o meu grupo de adolescentes, uma vez por outra, tomava a iniciativa de “brincar” assustando os vários grupos de mulheres quando regressavam a casa depois de uma noite de televisão passada no Casino.
Foi assim que uma bela vez, resolvemos fazer um boneco com um pau de vassoura para lhe dar firmeza, uns fatos velhos de nossos pais, um chapéu velho em cima de uma abóbora oca, uma pequena vela acesa dentro dela, uns velhos sapatos, um cigarrito aceso cuidadosamente e colocado numa das luvas que serviam de mãos ao dito boneco e na outra uma garrafa escura vazia.
Das muitas crenças que habitam na cabeça do povo daquela aldeia, uma havia que contava que num determinado portão que dava acesso a um terreno meio abandonado, debaixo de uma secular árvore (não me recordo que espécie de árvore era), e por onde fatalmente alguns grupos de mulheres passariam no regresso a casa, uma alma aparecia, dizia-se, a quem por ali passasse.
Pois bem meus amigos, boneco colocado estrategicamente; confirmada a aproximação de um grupo de mulheres, algumas nossas mães, lá nos fomos pôr em local bem escondido mas que nos permitiria assistir ao susto que estávamos prestes a pregar. Tudo certo e perfeito, tal o cuidado que tivera-mos na elaboração do boneco e na sua colocação encostadinho ao dito portão assombrado.
Só que, no momento em que estaríamos já do outro lado do caminho, em direcção ao milho alto que nos serviria de esconderijo, algo de muito estranho se terá passado. O referido boneco, como que por artes mágicas, dobrou-se sobre a cintura e caiu para a frente com um estranho barulho que nenhum de nós soube identificar. Nem preciso de vos contar quem foram os assustados, porque as pernas não se fizeram rogadas e cada um de nós só parou bem longe dali.
Até hoje nunca conseguimos saber o que se terá passado, nem obtivemos respostas. Também nenhum de nós se mostrou mais interessado em aprofundar o mistério que perdura no sotão de recordações de cada um de nós.
Quanto ao grupo de mulheres que por ali passou, ao que dizem passou um mau bocado, mas como mulheres do norte que eram, depois do primeiro impacto, avançaram corajosamente e pelo boneco deitado no caminho passaram em silêncio, que o respeito é muito bonito.
Ninguém soube quem foram os malandrecos que tinham feito tal marosca e tinham reacendido uma lenda mal resolvida, mas ficou a desconfiança claro, que aquela rapaziada do meu tempo, inquieta e rebelde, muitas destas brincadeiras fazia mas não tinha maus hábitos nem maus instintos. Eram tempos em que se podia brincar e a população passado o susto ria a bom rir destas aventuras dos seus filhos.
Com uma descrição sobre esta linda terra deixo-vos com um abraço a todos.
A aldeia
Afife detém um admirável cenário de paisagens. A praia é de areia branca e fina e prolonga-se por toda a extensão da costa de mar (cerca de 4 quilómetros), intercalada em certas zonas por penedos.
Na freguesia de Afife nasce um rio com o mesmo nome, que tem três afluentes: os ribeiros da Pedreira, de Agrichousa e do Fojo.
Topónimo
É possível que o topónimo Afife se trate de um genitivo antroponímico árabe, Afif, que inicialmente era utilizado como adjectivo para designar algo ou alguém virtuoso; mais tarde porém, aparecia num documento de 1108, com a designação Afifi, sugerindo a existência de uma Villa Afifi, que adquiriu o nome do seu senhor. Ao longo dos séculos, o topónimo foi apresentando diferentes grafias: Fifi, Affifi, Afifi até culminar em Afife.
Há ainda uma outra versão considerada popular. Segundo o arqueólogo José Bouça, a origem do topónimo é romana, de Aff-hifas, significando sopa de cabelos. Esta definição remonta à época em que a legião de Júlio César invadiu as terras lusas, massacrando as populações e violentando donzelas e damas lusitanas. Estas, para fugir a tal horror, torturaram-se a elas próprias, desfigurando os rostos e cortando os cabelos, cujas madeixas esconderam na corrente de uma fonte, para que não fossem manchadas pelos lábios impuros do inimigo; os soldados, para matar a sede, dirigiram-se à fonte e refrescaram os seus lábios com os cabelos molhados das donzelas, resultando daí a expressão: sopa de cabelos.
Há ainda a considerar, que se pode encontrar a localidade de Afif, que se situa entre Meca e Medina na Arábia Saudita e outra no Gana, com o nome de Afife.
Turismo
Da oferta hoteleira fazem parte um hotel com 65 quartos e várias casas de turismo rural. No Verão é ainda possível alugar quartos e casas de particulares.
A nível gastronómico, existem vários restaurantes de grande qualidade, alguns deles oferecendo pratos exclusivos e muito característicos como é o caso do afamado Robalo cozido com algas, servido no restaurante Mariana.
O principal acesso rodoviário de Afife é a Estrada Nacional 13, através da qual se pode chegar de Sul, por Viana do Castelo, e de Norte, por Vila Praia de Âncora.
A freguesia é servida também por via ferroviária através da linha do Minho, dispondo de um apeadeiro onde efectuam paragem os comboios regionais da CP.
A sua padroeira é Santa Cristina
Algumas fotos e parte do texto foram tirados da Net
7 comentários:
Estimado Amigo
Como sabe não sou muito dado a comentários em blogs, mas desta vez não resisti. Gostei deste post, gostei do que nos conta, e de conhecer que o meu amigo também fazia parte de um bando de malandrecos, que afinal acabou assustado.
Mas a minha atenção ficou presa nas fotos dessa terra de que tanto nos fala: AFIFE. Confesso-lhe que fiquei com vontade de conhecer Afife, terra que não conheço.
Gostei.
Como vê eu passo por aqui, mas há temas que me prendem mais a atenção, outros nem tanto.
Um abraço
Amiga Joaquim Marques
Não posso dizer bons olhos o vejam, porque não o estou a ver, mas até que enfim.
Eu sei que cá vem de vez em quando, como eu faço ao seu espaço como sabe.
Pois meu amigo a minha Afife, como sempre me ouviu falar é uma aldeia maravilhosa do litoral minhoto, entre Carreço e Vila Praia de Âncora.
Sei que um dia lá irá, nem que seja para me visitar.
Um abraço para si e um obrigado pela visita que me fez.
Um abraço
José Gonçalves
A ver se é desta.
Gostei muito deste post que me deu a conhecer uma terra de que tanto fala e que eu não conheço. Gostei da estória da vossa traquinice. O meu amigo deve saber que esssas estórias de almas penadas, labisomens, bruxas em encruzilhadas, e damas de pés de cabra (o demónio disfarçado de mulher) fazem parte(ou pelo menos faziam) do imaginário popular do norte do país e até descobri há pouco do Algarve. A estória que eu vou contar passou-se na minha família. A minha avó teve treze filhos, e assim que eles tinham idade escolar iam para o monte guardar os rebanhos dos senhores que detinham as grandes propriedades e o dinheiro.
Ora uma vez o meu tio José que era o mais velho e que teria prái uns 15/16 anos, veio passar uns dias a casa e trouxe um saco de feijão, que tinha ganho e que ia ajudar na alimentação dos irmãos. Era já noite pois foi só depois de terminar o dia e guardar o gado.
Ora o meu tio sempre tinha ouvido que lá numa encruzilhada antes de entrar na Trapa, se juntavam as bruxas á noite. De modo que ia cheio de medo, tanto mais que era a primeira vez que passava ali de noite. Então precisamente quando ia a passar a tal encruzilhada, ouviu um ruído e o medo que sentia fez-lhe associar o ruído a passos.
Apavorado desatou a correr, mas quanto mais corria, mais os passos corriam atrás dele. Chegou a casa esbaforido, quase sem poder falar.
Quando conseguiu lá contou a estória aos meus avós. A minha avó pegou no saco meio de feijão que estava no chão e ao levantá-lo, cairam no chão tres feijões que fizeram o meu tio esbugalhar os olhos de espanto. Foi então que os meus avós compreenderam o que se passara. O saco estava roto e vinha deixando cair os feijôes. O barulho foi pelo meu tio associado a passos, por causa das estórias que ouvia e do medo que sentia. Quando desatou a correr, com os solavancos, os feijões caám em maior quantidade, e chegou a casa com o saco meio. Escusado será dizer que depois da risada, os meus avós deram de trabalho ao meu tio ir no dia seguinte pelo mesmo caminho apanhar os feijões que valiam como ouro para matar a fome aos irmãos.
Agora veja lá se não tinha razão para estar agastada com o blog, não consigo claro.
É que escrevi a mesma estória 3 vezes e cada vez que mandava publicar dizia-me que o blogger não estava disponível.
Um abraço e já pode parar de rir.
Elvira
Esta sua estória é mais uma que se vem juntar a tantas que fazem parte das nossas memórias sobre coisas de bruxas,lobisomens e aparições...
Lembro-me de muitas que minha avó contava à mesa em noites que a família se reunia depois de jantar.
Família e amigos, porque era comum aparecerem por lá para uma jogatana de "sueca" com os meus pais.
Quando digo à mesa,digo à lareira, porque a nossa cozinha era quase dentro da enorme lareira que havia naquela velha cozinha minhota, onde os bancos encostados às paredes laterais da lareira eram poiso, no inverno, de minha mãe e das suas amigas de infância que nos iam visitar para matar saudades.
Eu, um puto, bem me sentava perto delas e ouvia as muitas histórias da infância daquelas mulheres, sabia-me bem aquele calor que vinha não sei bem se da lareira se daquelas mães que recordavam elas os seus tempos. E lá vinham então muitas histórias sobre aparições e coisas do sobrenatural, e riam a a bom rir.
Como era saudável a vida naqueles tempos.
Obrigado pela sua linda estória, que me apetecia postar no meu cantinho, se autorização me der para isso.
Um abraço e agradeço-lhe o tempo que me dedica, que me deixa sensibilizado. Obrigado amiga.
José Gonçalves
Com que então temos uma história do malandreco do Zé! Do Zé menino, porque o Zé que hoje nos escreve é um amigo dedicado que nos fala com orgulho e carinho da sua terra.
beijinhos
Sophiamar
Qual não foi o Zé que não foi malandreco quando jovem...
Mas com juizo...
Agradeço a opinião que tem a meu respeito, tentarei merecê-la.
Um abraço
José Gonçalves
Querido Amigo,
Fizeste-me rir... imagino o cagaço que voçes apanharam!...
Sobre a tua terra,descreves de tal maneira, que me dá vontade de a ir visitar! Ai tanto carinho nesse teu coração e tambem presinto uma certa saudade, ou estou enganada?
Muitos beijinhos
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