domingo, 14 de outubro de 2007

DR. PEDRO HOMEM DE MELLO


Dos tempos da minha infância guardo as férias passadas em casa de minha avó materna bem no litoral minhoto, onde os dias me pareciam sempre mais bonitos mesmo que a chuva fosse visita de casa.

Um extenso areal que se estende desde o Farol de Montedor quase até à Gelfa, cujos limites reais da praia, talvez não sejam bem esses. Para mim eram. Chegado de manhã à minha praia de Afife, bastava-me olhar para a esquerda e ver o Farol de Montedor e para a direita e ver a Gelfa com toda a plenitude do seu pinhal. Para mim eram, sempre foram, as extremas da minha praia.

Por vezes, voltando as costas ao mar, ficava a contemplar a aldeia de casinhas brancas espalhadas pelas encostas da serra, ver o monte de Santo António, o Casino...

Era ali que as minhas férias eram saboreadas cada momento. A praia de águas geladas, nunca me atemorizaram, nem o frio me vencia, tal era a vontade de nelas me banhar.

A idade também a isso ajudava, no entanto, passadas algumas dezenas de anos, ainda nelas me deito, com a sofreguidão de um adolescente...

Foram momentos que nunca mais esquecerei. Tenho-os todos arquivados no baú das memórias que o caruncho do tempo vai corroendo. E se alguns vou perdendo estes continuam intactos.

De entre todos eles um há que me merece uma recordação especial, pela importância que para mim representava na altura, poder estar lado a lado com um homem cujo valor eu sabia incomparável. Era ele Pedro Homem de Mello, homem do folclore, escritor, poeta que Amália Rodrigues tanto cantou.

Montado na sua velha bicicleta, o Dr. Pedro chegava à praia, e ia colocar-se perto da rebentação. Tinha sempre uma palavra amiga ou um cumprimento para todos. Muitas vezes, éramos companheiros do banho, porque nunca fui muito atrevido e ali ficava lado a lado com aquele senhor que me habituei a ver por Afife.

O lindíssimo Convento de Cabanas era a sua casa, e de seu filho Salvador fui companheiro de aventuras de juventude. Infelizmente, nenhum deles está já entre nós.

Que descansem em paz.

Aqui fica a minha modesta homenagem ao Dr. Pedro Homem de Mello, de quem tenho muitas saudades, e que não sendo de Afife, tal como eu, a soube cantar e eternizar, melhor que ninguém. Até um dia destes Dr. Pedro.

Biografia

Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello, poeta, professor e folclorista, nasceu no Porto a 6 de Setembro de 1904, no seio de uma família fidalga, filho de António Homem de Mello e de Maria do Pilar da Cunha Pimentel, tendo desde cedo sido imbuído de ideais monárquicos, católicos e conservadores. Foi sempre um sincero amigo do povo e a sua poesia é disso reflexo. O seu pai, pertenceu ao círculo íntimo do poeta António Nobre.

Estudou Direito em Coimbra, acabando por se licenciar em Lisboa, em 1926. Exerceu a advocacia, foi subdelegado do Procurador da República e, posteriormente, professor de português em escolas técnicas do Porto (Mouzinho da Silveira e Infante D. Henrique), tendo sido director da Mousinho da Silveira. Membro dos Júris dos prémios do secretariado da propaganda nacional. Foi um entusiástico estudioso e divulgador do folclore português, criador e patrocinador de diversos ranchos folclóricos minhotos, tendo sido, durante os anos 60 e 70, autor e apresentador de um popular programa na RTP sobre essa temática. Pedro Homem de Mello casou com D. Maria Helena Pamplona e teve dois filhos, Maria Benedicta, que faleceu ainda criança e Salvador Homem de Mello, que faleceu sem deixar descendência poucos anos após o seu pai.

Foi um dos colaboradores do movimento da revista Presença. Apesar de gabada por numerosos críticos, a sua vastíssima obra poética, eivada de um lirismo puro e pagão (claramente influenciada por António Botto e Federico García Lorca), está injustamente votada ao esquecimento. Entre os seus poemas mais famosos destacam-se Povo que Lavas no Rio (imortalizado por Amália Rodrigues), Havemos de Ir a Viana e O Rapaz da Camisola Verde.

Afife (Viana do Castelo) foi a terra da sua adopção. Ali viveu durante anos num local paradisíaco, no Convento de Cabanas, junto ao rio com o mesmo nome, onde escreveu parte da sua obra, "cantando" os costumes e as tradições de Afife e da Serra de Arga.

Faleceu na sua cidade natal, o Porto a 5 de Março de 1984.

Do livro “Estrela Morta” fica o poema “Berço”

Mansa criança brava,
Fui das mais,
Diferente.
Então, tristes, meus pais
Sentiram, certamente,
Em mim, como um castigo!

Noite e dia eu sonhava...
E era sempre comigo!

Depois, fugindo à gente
Eu procurava as flores,
Em todas encontrando
Jeito grácil e brando
De brinquedos e amores...

As violetas sombrias
Dos bosques de Cabanas
Essas, sim! Entendias
E julgava-as humanas!...

Do livro “Bodas Vermelhas” o poema “Mater Dolorosa”

A Mãe do Poeta chora
E a sua canção inquieta

Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...

Na praia, em pequeno, um dia
Meteu-se à onda bravia
Que, à das águas, trazia
Um peixe cor do luar...
Mas a onda fez-se mansa.
Teve dó dessa criança
Cujo crime era sonhar!

Certa noite, à sua porta,
Vieram cantar os Reis
- Ai! a de branco! a de branco!
Fulvo cabelo aos anéis...
Flor, entre os dedos, singela...
E ele, então, logo perdido,
Foi pela rua, atrás dela.
No rastro do seu vestido...

Aos vinte anos, cismador,
Esqueceu que havia as Sortes.
Magrinho, falho de cor...

Por isso, os mais, que eram fortes
(Os que tinham ido às Sortes!)
Lhe chamam desertor.

Em tardes de romaria,
Todo o mundo o viu bailar!
Quando o seu corpo bulia,
Subiam torres ao ar...
Por fim, calava-se a dança.
E ele, de novo, a criança,
Que a onda brava, depois mansa,
Recolhera no caminho...

Formou-se em Doutor de Leis.
Que pode a idade e os estudos?
Seus olhos ficaram mudos
À letra fria das leis.
Seus olhos só viam dança...
Se ainda era a mesma criança
Que ouvira cantar os Reis!

E a mãe do Poeta chora.
E a sua canção inquieta,
Perece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...

Em lápide na entrada do cemitério de Afife estão escritos estes dois poemas:

Não choreis os mortos

Lembrai-vos dos enfermos, dos cativos, da multidão sem fim,
dos que são vivos, dos tristes que não podem esquecer!
E ao meditar então na Paz da morte,
vereis talvez como é grande a sorte daqueles que deixaram de sofrer

Últimas Vontades

Enterrem os meus ossos em Afife
No bravo jardim que me fez Homem
Pois quero ter (se os cardos também comem)
A sua fome por esquife


O amor profundo à terra, às tradições populares, o Poeta cantou com enlevo. Um amor puro aos rios, aos prados, às gentes. Vemo-lo, em "Havemos de ir a Viana":

"...SE O MEU SANGUE NÃO ME ENGANA,
COMO ENGANA A FANTASIA,
HAVEMOS DE IR A VIANA,
OH MEU AMOR DE ALGUM DIA...
PARTAMOS DE FLOR AO PEITO,
QUE O AMOR É COMO O VENTO
QUEM PÁRA, PERDE-LHE O JEITO,
E MORRE A TODO O MOMENTO...
CIGANOS VERDES CIGANOS,
DEIXAI-ME COM ESTA CRENÇA:
OS PECADOS TÊM VINTE ANOS,
E O REMORSO TEM OITENTA..."

Poema que Amália cantou tão bem, e que se tornou num hino de alegria cantado na Cidade de Viana, especialmente durante as célebres Festas em honra da Senhora da Agonia.

14 comentários:

avelaneiraflorida disse...

Já postei um poema deste homem especial!!!!
Agora encontro aqui mais coisas lindas, como sempre, e preciosas informações!

BRIGADOS!!!

Bjks

António Inglês disse...

avelaneiraflorida

Boa noite minha amiga.
Este senhor, com quem tive o privilégio de conviver, não de forma intensa mas a suficiente, conseguiu fazer com que eu tivesse começado a apreciar coisas da vida às quais talvez não desse o devido valor.
Uma delas foi o gosto pelo folclore português, e pelas tradições do nosso povo.
Uma semana intensa.
José Gonçalves

Elvira Carvalho disse...

Ora bem temos poesia ligada á "sua" terra. Eu Gosto muito do Pedro Homem de Mello, o poeta que o Dr. não conheci. Mas lembro-me bem dele e do programa da TV. Gostei de saber a estória dele por quem o conheceu.E gostei dos poemas.
Obrigada pela partilha.
E se quiser passar pelos meus cantinhos, tem novidades nos dois.
Um abraço e boa semana.

António Inglês disse...

Elvira

Sabe que a visito com frequência e se não o fiz este fim de semana foi porque foi realmente muito intenso.
Pedro Homem de Mello foi um senhor que conheci era eu muito novo e já na altura sabia que era diferente.
A sua forma de connosco falar tinha algo de muito especial.
Lembrar-se-à certamente do tal programa da TV e da sua forma de falar, lembra-se?
Pois minha amiga, transporte esse tom de voz cativante e pousado para a vida real e aí tem uma ternura de homem, a quem como Advogado também nunca conheci. Para todos nós era simplesmente Dr. Pedro.
Um abraço
José Gonçalves

Menina do Rio disse...

Retribuo o beijo e tem uma boa semana

Maria disse...

Visitar este blogue, ler este blogue, é aprender (ou recordar) muito...
Verdade que PH Mello anda esquecido.
E não há gente nova por aí a retomar os seus poemas, e é uma pena....

Um abraço

Elvira Carvalho disse...

Ora cá estou eu. Esclarecendo pontos. Eu disse que o Dr. não conheci, porque não tenho na memória de ter ouvido antes que era advogado. Sempre se falava do poeta. Quanto ás visitas, só deixei aquela chamada de atenção porque pensei que não conhecia e que era uma boa maneira de acabar a noite, e não com qualquer outra intenção. E então eu não sei que me visita sempre? E muito lhe agradeço por isso.
Uma óptima semana para si e um abraço

António Inglês disse...

sveronica

Tem uma boa semana também.
Beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Maria

Agradeço-lhe as amáveis palavras que vão estimulando. São assim como as palmas que os artistas gostam de ouvir no fim da peça. Obrigado por isso minha amiga.
Quanto Pedro Homem de Mello, sempre gostei da sua poesia e sempre foi um homem muito popular. Tive a honra de acompanhar, não digo pertencer porque vivia na altura em Lisboa e só o fazia em férias e poucas vezes aconteceu, mas dizia eu que tive a honra de acompanhar o Rancho Folclórico de Afife que o Dr. Pedro acompanhava e acarinhava de perto e muito admirava.
Caso curioso é que PHM foi mais cantado e apreciado em vida do que agora depois de já não pertencer ao mundo dos vivos. Agora anda realmente esquecido. Não na "sua" terra de Afife onde é recordado e onde foi muito justamente homenageada a sua memória e a sua obra.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Amiga Elvira

A menina é fogo.
Eu apenas confirmei que o Dr. também não conheci e até lhe confesso que desconhecia que Pedro Homem de Mello teria sido advogado.
Quanto à sugestão que me deixou para a visitar, também lhe agradeci e apenas lhe quis transmitir que visito a sua casa com frequência, mas que o fim de semana tinha sido muito ocupado, mais nada para além disso.
Por isso muito lhe agradeço a sugestão que me deixou tremendamente bem disposto, como o outro pequeno filme de sábado.
Foram dois apontamentos que vieram amenizar as suas narrativas bem tristes, da realidade da vida.
Ás vezes, nós até conhecemos histórias parecidas com as que nos conta, sofridas, cruéis, mas preferimos esquecer... não devíamos mas é na maioria das vezes o que fazemos.
Ainda bem que nos lembra para que estejamos atentos... talvez possamos ir evitando casos semelhantes.
Um grande abraço de estima e respeito que sei que sabe, tenho por si minha amiga.
José Gonçalves

São disse...

Foi bom recordar os meus já afastados tempos de adolescência em que ouvi Pedro Homem de Mello a explicar as subtis diferenças de um concelho para outro na a mesma dança.
Foi muito interessante ouvi-lo a si contar pormenores de vida acerca de quem conheceu pessoalmente.Com votos de boa semana , ofereço-lhe este pensamento, cujo autoria desconheço:" Deus vive na Terra, não o procures nas nuvens."
Sempre que puder lá ir, é com prazer que o meu espaço o recebe.
Abraços.

António Inglês disse...

Olá São

Obrigado pelas elogiosas palavras que me deixa, e pelo pensamento de reflexão.
Mas olhe que Deus está em toda a parte, não está?
E para quê procurar, se Ele está entre nós... às vezes ao alcance da mão... basta estende-la...
Se mo permitir continuarei a visitá-la.
Uma boa semana
José Gonçalves

Anónimo disse...

Meu querido amigo,

Bom artigo este! Grande este homem...
E tu tiveste a sorte de poder conviver e estar lado a lado com ele!
Lembro-me de ser miuda e ficar colada à televisão a ouvi-lo falar do nosso povo e suas raízes. Que bem que ele falava...
Repito as tuas palavras : "Que descanse em Paz".

Muitos beijinhos e obrigada por tudo o que me tens ensinado nos teus "posts". Força! Continua...

António Inglês disse...

Aramis

Amiga, tu tens o condão de me pôr bem disposto com a vida e por isso tens essas palavras sempre simpáticas para comigo.
É verdade, convivi com o Dr. Pedro algumas vezes, como todos aqueles que são de Afife, pois o Dr. Pedro era um homem do povo, um homem que gostava dos usos, dos costumes e das tradições desse povo a que ele pertencia.
É como digo no texto, era vê-lo caminho abaixo em direcção à praia, montado em sua bicicleta, e lá chegado colocava-se na zona da rebentação, nunca se aventurando muito pelo mar adentro. Sempre na maré baixa.
Ali ficava uns instantes, saboreando o sol, o cheirinho do sargaço que ali tem mais encanto, e salpicava os braços, os ombros e o tronco de cada vez que vinha uma onda.
Ali estava bem junto a nós, sem grandes rodeios, cumprimentando tudo e todos com o maior dos sorrisos. Era assim o Dr. Pedro.
Durante anos acompanhou de perto o folclore de Afife através do seu Rancho Etnográfico, que teve também à sua frente um outro homem ligado inegavelmente ao folclore daquela terra, o Dr. Barrote, responsável pelo meu despertar para estas coisas do folclore.
Saudades, minha amiga, saudades, ai ai...
Um abraço
José Gonçalves