sexta-feira, 6 de junho de 2008

A LENDA DO MILAGRE DA NAZARÉ

*
Por aqui se ficou o cavalo de D. Fuas... conta a lenda...


Creio que toda a gente conhece a lenda do milagre do Sítio da Nazaré, na qual D. Fuas Roupinho escapou por pouco às teias do Diabo, que o tentou sob a forma de um veado. Mas antes de recordarmos essa velha história vamos conhecer um pouco mais da figura desse semi-herói do tempo do primeiro rei de Portugal.


D. Fuas Roupinho perseguindo o veado que segundo diz a lenda seria o diabo...


D. Fuas Roupinho era um guerreiro de nobre ascendência, companheiro indómito de Afonso Henriques. Diz a lenda que era seu meio-irmão, mas na verdade foi aio de um filho bastardo do velho conde D. Henrique, D. Pedro Afonso, este sim meio-irmão e companheiro de armas de Afonso Henriques.


O Castelo de Leiria


Em 1179, D. Fuas era alcaide-mor de Coimbra. Certo dia, encontrava-se ele no Castelo de Leiria, vieram trazer-lhe a notícia de que se encontrava na Alcáçova de Porto de Mós o rei mouro de Mérida, Gamir, que, como era seu costume, repousava das batalhas naquela região sobre todas preferida pelas belezas naturais.


Pormenor do Castelo de Leiria


O cristão pensou que aquela era uma oportunidade única de livrar a Península de mais alguns muçulmanos, já que nessa altura tinha consigo um grupo de guerreiros suficientemente forte e coeso para cair sobre os infiéis. Assim, mandou os charameleiros, tocarem a reunir e algum tempo depois tinha reunidos no terreiro do Castelo de Leiria todos os cavaleiros que minutos antes andavam espalhados pela vila.


Armadura portuguesa


Era um burburinho no terreiro. Os ginetes de guerra escoiceavam impacientes, batendo com os cascos na terra seca e solta, obrigando os condéis a prodígios de força e equilíbrio para os segurarem. Os cavaleiros, reunidos em trono de D. Fuas Roupinho, acompanhados pelos seus criados, combinavam a táctica da surtida. Era um grupo ricamente colorido com os seus briais de cores vivas onde se viam as armas de suas casas, por debaixo dos quais brilhavam as cotas de malha. De capacete debaixo do braço e com as espadas e punhais prontas a utilizar, discutiam acaloradamente o melhor caminho a tomar para Porto de Mós de modo a não serem avistados pelas vigias mouras.


... apesar de serem em maior número os mouros foram derrotados...


Por fim, montaram precipitadamente e a hoste saiu de Leiria num trote alegre e descuidado, parecendo querer desmentir a sanha guerreira com que viriam a atacar Gamir e a sua gente.
Destes, uns passeavam despreocupadamente pelos campos em redor de Porto de Mós e os outros descansavam na Alcáçova. Nem uns nem outros deram pela chegada dos cristãos, e, apesar de serem muito mais numerosos do que a hoste de D. Fuas, foram derrotados e chacinados, quase sem terem tido oportunidade de se defender.


O belo Castelo de Porto de Mós


Os mouros sobreviventes foram levados como prisioneiros para Coimbra, onde o alcaide-mor os entregou a D. Afonso Henriques. E, como recompensa, o Rei deu a D. Fuas a alcaidaria de Porto de Mós.
Em seguida, D, Fuas Roupinho dirigiu-se a Lisboa incumbido pelo Rei de organizar, juntamente com os homens-bons da cidade, uma armada que fizesse frente aos mouros que na costa faziam corso e impediam a pesca e o tráfego comercial. Já bem intenso nessa época.


Cabo Espichel


Os portugueses de então não tinham grande prática da faina marítima, mas, utilizando os conhecimentos náuticos dos pescadores e a coragem e audácia natural dos guerreiros, foi-lhes possível vencer os piratas mouros. Esta batalha deu-se junto ao cabo Espichel e os vencedores trouxeram apresados vários navios que, segundo conta a lenda, lhes possibilitaram a surtida seguinte, até Ceuta. Aí surpreenderam os mouros, que novamente sofreram muitas baixas e perderam um grande número de navios, uns porque foram afundados, outros porque vieram para o reino.


O pinhal de Leiria


Conta-se que, depois destas batalhas, D. Fuas Roupinho foi para Porto de Mós repousar e praticar a sua distracção favorita: a montaria. Diz a nossa história que tudo se passou no dia 14 de Setembro de 1182. D. Fuas saíra com os companheiros para a mata do Sítio. Levavam lanças e bestas, os seus olifantes ou buzinas de caça e iam vestidos mais levemente do que quando partiram para a guerra. Sobre as túnicas curtas tinham colocado uma capa que esvoaçava quando galopavam e em substituição da loriga tinham coberto os cabelos com gorros de pele.
Lentamente, embrenharam-se nos caminhos da mata, olhando à volta com atenção para descortinarem entre o arvoredo as hastes de um veado ou rastos de lebres e javalis. Estava um nevoeiro espesso e D. Fuas acabou por perder-se dos companheiros.


... o veado... o tal que teria sido o diabo...


De repente, viu um veado enorme, de porte real, que parecia desafiá-lo, e esporeou a montanha para não perder aquela oportunidade. O veado deixou que o cavaleiro se aproximasse audaciosamente e lançou-se em louca correria em direcção à beira do penhasco rochoso. D. Fuas, que galopava meio cego de entusiasmo, não reparou onde se encontrava senão quando viu o veado atirar-se no abismo. Tentou sopear o cavalo, mas a velocidade era tal que nenhuma força humana o conseguiria parar. Num segundo, o cavaleiro anteviu as consequências e insensivelmente invocou a Senhora da Nazaré que, de imediato, surgiu no céu, frente à montada. O cavalo estacou imediatamente, fincando com tanto desespero os cascos traseiros na rocha, que ainda hoje existe.


Capela da Memória no Sítio da Nazaré


No fundo do precipício, nas rochas frente ao mar, o veado estatelou-se e desfez-se em fumo negro: era o Diabo a tentar o cavaleiro.
Em agradecimento deste miraculoso salvamento, D. Fuas mandou construir a capela da Memória, ali, junto à lapa onde fora encontrada a imagem da Senhora da Nazaré, no mesmo sítio onde o seu cavalo estacara.
Dois anos mais tarde, D. Fuas morreu, não em perseguição de demónios com corpo de veado, mas dando luta aos mouros com a sua armada de vinte e dois navios, nas costas de Ceuta.



Mulher da Nazaré estendendo o peixe ao sol...


A lenda termina aqui, mas não posso acabar esta postagem sem vos deixar algumas fotos da Nazaré e das suas gentes que são já uma imagem de marca de toda a Região.



Olhares da Nazaré presos no mar...


Esta terra marcou toda a minha vida, desde logo porque parte das minhas férias de miúdo aqui foram passadas com meus pais e irmãs.



Chegando da faina da pesca antigamente...


Com cinco anos, e por ser muito traquina, acabei por me perder por entre o mar de gente que a praia sempre tem em plena época de verão. Por sorte, no meio de um pranto infindável, resolvi continuar andando de um lado para o outro na passadeira de madeira que existia na areia, paralela ao paredão e em frente às barracas que se situavam de costas para a marginal e de frente para o mar da Nazaré.


Homens e mulheres ajudavam a puxar as redes e os barcos...


Ao fim de algumas horas, (segundo rezam as crónicas de família que ficaram desta aventura) acabei sendo encontrado por meus pais, que choravam não sei se de tristeza se de alegria.



Arte xávega já em desuso


Foram muitas férias de profunda felicidade nesta lindíssima praia, onde me lembro me nasceu o gosto pelo folclore nacional. Chegava a fugir de casa para ir assistir aos ensaios do Tá Mar.


Sete saias da mulher da Nazaré


Foi nesta terra também que passei uma lua de mel fabulosa, que meteu insolação e tudo, e hoje bem perto dela vivo e lá gosto de ir comer o meu crepe numa das esplanadas do largo principal da Nazaré.



Também as parelhas de bois prestavam o seu apoio puxando os barcos mais pesados...


O mar da Nazaré, lindo mas de respeito...


... e o Tóino que foi ao mar e ainda não voltou... não nos fiques com ele mar traiçoeiro...


Família da Nazaré posando para a foto


Viuva espreitando o mar desde o Sítio


O luto


A pele marcada pela dura faina do mar...


... enfrentando as ondas sempre que o tempo o permitia...


O antigo elevador da Nazaré, hoje remodelado e diferente. Ao fundo a praia.

Texto e Fotos da Net

António Inglês

3 comentários:

Um Momento disse...

E assim passei um bom Momento aqui recordando a Lenda de D.Fuas, saboreando as tuas palavras e as lindas imagens , recordando a Nazaré.
Há realmente memórias que jamais são levadas da nossa lembrança:)

Deixo um beijo agradecido e o desejo de um fim de semana cheio de coisas boas:))))))

(*)

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido Amigo António! Linda
postagem, nunca me canso de a ouvir e ler... Adoro a Nazaré, cá do alto no sitio ou aindo almoçar ai pé do mar é sempre uma beleza... Bom fim de semana para ti e toda a família...
Beijinhos de carinho,
Fernandinha

Isamar disse...

Tó,Grande Amigo!

Palavras e imagens conjugam-se em sintonia perfeita.Que conjunto fantástico! Li e reli com muito gosto mas detive-me, emocionada, nas imagens. Que grandes homens! Que grandes mulheres! Extraordinário este povo, o nazareno, que tanto sofrimento tem sabido ultrapassar para ganhar o seu pão. O mar lhes dá tudo mas o mar, muitas vezes, lhes tira tudo.
Bem hajas, amigo, pela bela colecção de lendas que aqui nos tens apresentado e que eu vou coleccionando.

Beijinhos mil

Bom Domingo!

E muito obrigada, por tudo!