POR FALAR EM HISTÓRIA
Na nossa pacata Viana de outros tempos, era ali naquela pequena elevação de terreno junto do qual se ergue hoje o famoso santuário da Senhora da Agonia, que ficava o Morro da Forca ( há referências que já existia no século X ), um morro com rochedos e sombreado por meia dúzia de pinheiros mansos onde eram executados os condenados à morte.
Já no século XVIII e XIX, a forca era usualmente montada junto do antigo cais do rio Lima, em frente à Alfândega, embora a última execução ocorrida em Viana tivesse lugar no amplo Campo do Castelo.
Dizem-nos destacados historiadores do século XIX, que depois de constituído o Tribunal de Viana, nunca ele lavrou sentença de morte que se cumprisse, mas, já a partir de 1838, aqui se cumpriram duas, lavradas pelo mesmo juiz dos Arcos de Valdevez, de nome Alexandre Fortunato Vilaça, natural daquela Vila.
A primeira dessas execuções efectuou-se na forca erguida junto ao antigo Cais da Alfândega, do rio Lima, em 21 de Setembro de 1838, na pessoa de António Manuel Barreto, de 27 anos, solteiro, moço de lavoura, natural e residente no Couto de Capareiros ( actual Vila de Barroselas ).
Este homem extremamente simples que ficaria popularmente conhecido por Antoninho, era acusado de ter cometido um tenebroso assalto em 18 de Janeiro de 1836, de que resultou um avultado roubo e de ter assassinado com um tiro, João Pereira Saraiva, contratador de gado, natural da Apúlia, concelho de Esposende, e acusado também de ter resistido à Justiça, crimes esses ocorridos no alto da estrada do Faro de Anha, no local onde hoje se ergue um pitoresco conjunto granítico de cruzeiro, lápide e alminhas em memória desse triste acontecimento.
O juiz na sua sentença proferida em 14 de Junho de 1837, condenou o Antoninho a ser levado pelas principais ruas de Viana até ao cais e a ser sentenciado ali na forca e , depois de morto – para exemplo – a ser-lhe decepadas a cabeça e as mãos, que ficariam expostas até que o tempo as consumisse, a cabeça no local da forca e as mãos no do crime e a pagar pesada coima ao Tesouro Público e uma indemnização aos herdeiros da vítima.
Desta sentença foi apresentado recurso para o Tribunal de Relação do Porto que, por acórdão de 28 de Novembro do mesmo ano, a confirmou, apenas a alterando para suprimir a decepção da cabeça e das mãos porque a lei vigente fora entretanto alterada e tal já não permitia.
Um outro recurso se fez. Desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça que, em 9 de Julho de 1838, confirmou também a sentença.
Apelando-se por fim para a clemência da Rainha D. Maria II, também esta diligência não resultou, sendo participado por portaria de 27 de Agosto do mesmo ano que Sua Majestade, ouvido o Conselho de Ministros, não usara a sua real clemência em favor do réu.
E assim, no fatídico dia 21 de Setembro do mesmo ano, enfiada a simples vestimenta dos condenados à morte dada pela Santa Casa da Misericórdia, pelo meio dia, o infeliz Antoninho percorre as principais ruas de Viana até à beira-rio, junto do Cais da Alfândega onde estava instalada a forca e aí, perante multidão, a corda cingiu-lhe o pescoço e a sentença cumpriu-se.
No entanto, deve ser referido que os contornos deste enforcamento geraram um sentimento popular tão profundo que ficaria ligado a uma curiosa história que em Viana se contava de geração em geração conhecida pela história do “Antoninho Enforcado”, em que era sempre narrada dando destaque que o povo não acreditou na justiça, e como tal, o Antoninho foi executado inocente.
Diz essa voz do povo que quase no derradeiro momento da sua execução, o Antoninho viu de entre a multidão os verdadeiros assassinos e proferiu em voz alta:
- Estou inocente! Os assassinos são aqueles, e apontou! Mas o Padre que pouco antes tinha ouvido o sentenciado em confissão e, (continua a dizer a voz do povo) ficou verdadeiramente estupefacto com as revelações do confessado que comprometiam determinadas pessoas suas amigas «gente de bem da terra» embora reconhecida como muito dada a jogos a dinheiro, mentalizou o Antoninho de que os padecimentos sofridos inocentemente neste Mundo, seriam a melhor garantia de entrar no Reino dos Céus, e abraçando-o diz-lhe em voz ainda mais alta, abafando a sua: Cala-te Antoninho! Não percas a tua alma! Não percas num minuto, o muito que em todos estes dias já ganhas-te!
De toda esta história nunca se conseguiu distinguir com precisão quanto de irreal ela contém. Mas uma coisa é certa. O povo não acreditou na Justiça, e o conceito de inocência generalizou-se tão impressionantemente pelo burgo que o Antoninho ficou tão popularmente conhecido por “Antoninho Inocente” que até se lhe reconheceu «cheiro de santidade» e , como tal, naquela época. Alguns milagres lhe foram atribuídos.
Documento de autoria de ANTÓNIO DE CARVALHO, investigador da história local e autor de várias obras sobre o Concelho, com especial relevo para Viana do Castelo.
Este documento faz parte de um livro intitulado “Acontecimentos Que Viana Sentiu II” e editado pela Junta de Freguesia de Viana do Castelo , Santa Maria Maior em 2005.
Amanhã segue a Parte II
6 comentários:
Muito interessante. Fico a aguardar o resto da história.
Bom fim de semana.
Um abraço
José,
Adormeci de cansaço depois do jantare. Liguei agora o computador antes de me deitar mesmo a sério. É só para desejar bom fim de semana.Amanhã que já é hoje volto para ler estes dois últimos textos.
Beijinhos.
Uma história muito interessante que vem revelar, mais uma vez, que a justiça também é injusta. À sua incorrecta aplicação andam ligadas muitas histórias como a das Obras de Santa Engrácia e a do Galo de Barcelos.O Reino dos Céus dá guarida a muitos inocentes que vivem no inferno muito tempo antes da sua injusta partida.
Muito interessante esta história do teu querido Minho e da linda Cidade de Viana que tem em Santa Luzia um dos seus mais bonitos templos e deslumbrante paisagem.
Beijinhos mil
Olá Elvira
Este comentário vem tarde mas a II parte já lá vai.
Um abraço
José Gonçalves
Branca
Nem tempo tive de particularizar os desejos de bom fim de semana pos estive de "greve".
Um beijinho
José Gonçalves
Sophiamar
A justiça é cega como se diz e muitas vezes é cega demais e caí na injustiça.
O meu Minho..........................
sinto-lhe o cheiro cá de longe, ouço-lhe o bater do coração, das ondas que morrem no areal da minha praia de Afife, por entre rochas providencialmente colocadas, o cheiro do sargaço, o colorido do trajar, o cantar do poeta...
Pedro Homem de Melo de quem um dia destes falarei.
Um beijinho
José Gonçalves
Enviar um comentário