quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

NUM BANCO DE JARDIM

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Num banco de jardim uma velhinha
está tão só com a sombrinha
que é o seu pano de fundo.
Num banco de jardim uma velhinha
está sozinha, não há coisa
mais triste neste mundo.
E apenas faz ternura, não faz pena,
não faz dó,
pois tem no rosto um resto de frescura.
Já coseu alpergatas e
bandeiras verdadeiras.
Amargou a pobreza até ao fundo.
Dos ossos fez as mesas e as cadeiras,
as maneiras
que a fazem estar sentada sobre o mundo.
Neste jardim ela
à trepadeira das canseiras
das rugas onde o tempo
é mais profundo.
Num banco de jardim uma velhinha
nunca mais estará sozinha,
o futuro está com ela,
e abrindo ao sol o negro da
sombrinha poidinha,
o sol vem namorá-la da janela.
Se essa velhinha fosse
a mãe que eu quero,
a mãe que eu tinha,
não havia no mundo outra mais bela.
Num banco de jardim uma velhinha
faz desenhos nas pedrinhas
que, afinal, são como eu.
Sabe que as dores que tem também são minhas,
são moinhas do filho a desbravar que Deus lhe deu.
E, em volta do seu banco, os
malmequeres e as andorinhas
provam que a minha mãe nunca morreu.

José Carlos Ary dos Santos

22 comentários:

Elvira Carvalho disse...

UM belo poema de Ary dos Santos. Que pena ter morrido tão novo. Tinha uma inspiração prodigiosa.
Obrigada pela recordação.
Um abraço

vieira calado disse...

Olá, amigo!
Passei por cá para desejar-lhe bom dia.
Um abraço.

aramis disse...

Mas que beleza meu querido amigo...
Boa escolha o "nosso" eterno Ary dos Santos!
Muitos beijinhos

Branca disse...

Um poema comovedor de um dos meus poetas preferidos, terno, grande tecedor de palavras em verso, capaz de se fazer entender por toda a gente e grande conhecedor da natureza humana. A nossa cultura perdeu muito por o ter perdido tão cedo.
Beijinho.
Branca

São disse...

Bonita escolha, a tua...
Ontem lá estive e , tinhas razão, agradou-me!
Abraço, amigo.

Joaninha disse...

É brilhante o poema.
Já lá está o premio ;)
Um abraço.

amigona avó e a neta princesa disse...

Arrepiei-me amigo! Obrigada pela partilha...tens lá o prémio...beijo...

Rakel Macedo disse...

Bonito :) Por vezes gostaria de saber exprimir por palavras tudo aquilo que sinto. Qualquer forma de arte é sublime!

Isamar disse...

Um poema lindíssimo de Ary dos Santos, um poeta que jamais morrerá nos nossos corações.Cheguei a conhecê-lo pessoalmente nos anos setenta com o Fernando Tordo.Aquela sua voz forte, a forma de estar na vida, o gosto pela poesia e a defesa intransigente da liberdade fizeram-no um ídolo para os da minha geração. E de outras. Cavalo à Solta e Desfolhada são duas das suas obras que o povo português jamais esquecerá. " Quem faz um filho fá-lo por gosto..." inesquecível poema cantado em ditadura.
Fico-te grata pelo poema que aqui nos deixaste hoje. Comovente! Trouxeste-me à memória a minha querida mãe.

Beijinhossssss

Maria disse...

... e na voz do Carlos do Carmo.....
Que beleza de poema...

Beijinho

António Inglês disse...

Elvira

Ary teve o condão de em pouco tempo ficar como uma referência da sua geração.
Tinha não só a inspiração prodigiosa como diz mas tinha ainda uma voz tremenda e uma forma de declamar única.
Jamais o esquecerei.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Boa noite Vieira Calado.
Obrigado pela visita. Creia que gosto de o ver por aqui. Visito-o não com a frequência que deveria mas passo por la´como verifica. No entanto é-me difícil falar sobre astronomia e por isso lhe deixo comentários pequenos e rápidos.
Espero que compreenda.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Aramis

Pois, andei uma manhã inteira no carro a ouvir a voz de Carlos do Carmo cantando este fado e repentinamente fiquei com vontade de o partilhar pelo poema que encerra.
Certamente que minha mãe estará por lá e vai perceber que lho dediquei.
Um abraço e um grande beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Branca

Ary dos Santos faz parte do grupo que guardo especialmente na memória de um tempo que já lá vai.
Infelizmente partiu cedo demais, quem sabe se não continua escrevendo lá por cima...
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá São

Gosto muito de Ary dos Santos, sempre gostei do que escreveu e da forma como recitava os seus poemas.
Ainda bem que gostas-te mas espero agora que digas o mesmo daqui a algum tempo.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Joaninha

É este e mais uns tantos que ele escreveu.
Obrigado por ter dado relevo aos meus prémios.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá amigona

Esse foi sempre o segredo de José Carlos Ary dos Santos. Fazer-nos estremecer em arrepios sempre que ouvimos um seu poema.
Deixo-lhe um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Rakelita

O Sol nasce para todos mas a poesia não. Só para aqueles que têm o condão que Ary teve. Pena que tenha partido tão cedo.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Sophiamar

Também para mim Ary foi marcante na minha geração.
A forma como recitava os seus poemas arrepiavam-me.
Estará sempre presente em nós.
Um beijinho
José Gonçalves

Voltas-te ao SOPHIAMAR?
Why?

António Inglês disse...

Maria

Foi precisamente por ter andado uma manhã inteira a ouvir o fado na voz de Carlos do Carmo que me apeteceu partilhar este lindíssimo poema.
Um beijinho
José Gonçalves

avelaneiraflorida disse...

LINDO!!!! LINDO!!!

Ary de uma ternura avassaladora e de uma lucidez imensa!!!!
"Brigados" por esta lembrança!!!!

bjkas, amigo José Gonçalves!!!!

António Inglês disse...

avelaneiraflorida

De vez em quando sabe bem lembrar.
Um beijinho
José Gonçalves