terça-feira, 28 de outubro de 2008

O VELHO DA HORTA


Vª PARTE

Vem um Alcaide com quatro Beleguins, e diz: Dona, levantai-vos daí!

Alcoviteira: Que quereis vós assim?

Alcaide: À cadeia!

Velho: Senhores, homens de bem, escutem vossas senhorias.

Alcaide: Deixai essas cortesias!

Alcoviteira: Não hei medo de ninguém, viste ora!

Alcaide: Levantai-vos daí, senhora, daí ao demo esse rezar! Quem vos dez tão rezadora?

Alcoviteira: Deixar-me ora, na má-hora, aqui acabar.

Alcaide: Vinde da parte de el-Rei!

Alcoviteira: Muita vida seja a sua. Não me leveis pela rua; deixar-me vós, que eu me irei.

Beleguins: Sus! Andar!



Alcoviteira: Onde me quereis levar, ou quem me manda prender? Nunca havedes de acabar de me prender e soltar? Não há poder!

Alcaide: Nada se pode fazer.

Alcoviteira: Está já a carocha aviada?!... Três vezes fui já açoitada, e, enfim, hei de viver.

Levam-na presa e fica o Velho dizendo: Oh! Que má-hora! Ah! Santa Maria! Senhora! Já não posso livrar bem. Cada passo se empiora! Oh! Triste quem se namora de alguém!

Vem uma Mocinha à horta e diz: Vedes aqui o dinheiro? Manda-me cá minha tia, que, assim como no outro dia, lhe mandeis a couve e o cheiro. Está pasmado?

Velho: Mas estou desatinado.

Mocinha: Estais doente, ou que haveis?

Velho: Ai! Não sei! Desconsolado, que nasci desventurado!

Mocinha: Não choreis! Mais mal fadada vai aquela!

Velho: Quem ?

Mocinha: Branca Gil.

Velho: Como?

Mocinha: Com cem açoites no lombo, uma carocha por capela, e atenção! Leva tão bom coração, como se fosse em folia. Que pancadas que lhe dão! E o triste do pregão - porque dizia: "Por mui grande Alcoviteira e para sempre degredada", vai tão desavergonhada, como ia a feiticeira. E, quando estava, uma Moça que passava na rua, para ir casar, e a coitada que chegava a folia começava de cantar: "ua Moça tão fermosa que vivia ali à Sé..."

Velho: Oh coitado! A minha é!




Mocinha: Agora, má hora e vossa! Vossa é a treva. Mas ela o noivo leva. Vai tão leda, tão contente, uns cabelos como Eva; por certo que não se atreva toda a gente! O Noivo, moço polido, não tirava os olhos dela, e ela dele. Oh que estrela! É ele um par bem escolhido!

Velho: Ó roubado, da vaidade enganado, da vida e da fazenda! Ó Velho, siso enleado! Quem te meteu desastrado em tal contenda? Se os jovens amores, os mais têm fins desastrados, que farão as cãs lançadas no conto dos amadores? Que sentias, triste Velho, em fim dos dias? Se a ti mesmo contemplaras, souberas que não vias, e acertaras.Quero-me ir buscar a morte, pois que tanto mal busquei. Quatro filhas que criei eu as pus em pobre sorte. Vou morrer. Elas hão de padecer, porque não lhe deixo nada; da quantia riqueza e haver fui sem razão despender, mal gastada.

FIM


1 comentário:

São disse...

Então, Tonico, como estades?
Espeo que muy bien!
Kisses.