O VELHO DA HORTA
Vem a Mulher do Velho e diz: Hui! Que sina desastrada! Fernandeanes, que é isto?
Velho: Oh pesar do anticristo. Oh velha destemperada! Vistes ora?
Mulher: E esta dama onde mora? Hui! Infeliz dos meus dias! Vinde jantar em má hora: por que vos meter agora em musiquias?
Velho: Pelo corpo de São Roque, vai para o demo a gulosa!
Mulher: Quem vos pôs aí essa rosa? Má forca que vos enforque!
Velho: Não maçar! Fareis bem de vos tornar porque estou tão sem sentido; não cureis de me falar, que não se pode evitar ser perdido!
Mulher: Agora com ervas novas vos tornastes garanhão!...
Velho: Não sei que é, nem que não, que hei de vir a fazer trovas.
Mulher: Que peçonha! Havei, infeliz, vergonha ao cabo de sessenta anos, que sondes vós carantonha.
Velho: Amores de quem me sonha tantos danos!
Mulher: Já vós estais em idade de mudardes os costumes.
Velho: Pois que me pedis ciúmes, eu vo-los farei de verdade.
Mulher: Olhai a peça!
Velho: Que o demo em nada me empeça, senão morrer de namorado.
Mulher: Está a cair da tripeça e tem rosa na cabeça e embeiçado!...
Velho: Deixar-me ser namorado, porque o sou muito em extremo!
Mulher: Mas vos tome inda o demo, se vos já não tem tomado!
Velho: Dona torta, acertar por esta porta, Velha mal-aventurada! Saia, infeliz , desta horta!
Mulher: Hui, meu Deus, que serei morta, ou espancada!
Velho: Estas velhas são pecados, Santa Maria vai com a praga! Quanto mais homem as afaga, tanto mais são endiabradas!
(Canta)
Volvido nos han volvido,
volvido nos han:
por uma vecina mala
meu amor tolheu-lhe a fala
volvido nos han.
Continua...
Sem comentários:
Enviar um comentário