segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O HOMEM, ESSE ANIMAL ESPANTOSO !

*

Corria o ano de 1996, na cidade de Lisboa, preparava-me para mais um dia de trabalho igual a tantos outros. Era a correria do costume.

Invariavelmente os dias começavam em longas filas de espera, de casa até à baixa lisboeta, onde eram localizadas as minhas lojas.

O negócio, vinha de família, e naturalmente, acabei por substituir meu pai na gerência, e as obrigações ficaram maiores desde o dia em que essas funções foram por mim assumidas.

Era assim, que chegadas as épocas das colecções, quer de pronto a vestir, quer de textéis lar, eu tinha de as visitar escolhendo o que de melhor serviria os interesses da nossa firma.

Habitualmente era acompanhado nesta tarefa pelos encarregados das respectivas lojas, pois com eles partilhava essa responsabilidade. Sempre entendi que a co-responsabilização é importante no êxito de uma empresa.

Ora num desses dias, tratava-se de uma colecção de pronto a vestir de senhora, e como de costume fiz-me acompanhar do tal encarregado responsável pelo sector. Como saí primeiro da loja, informei-o de que iria buscar o carro e passaria junto a um armazém que possuíamos uns prédios mais acima, para o recolher.

Ali chegado, e como o referido encarregado não estivesse pronto, esperei um pouco junto ao passeio, obrigando dessa forma a que os restantes automóveis que circulavam naquela artéria, tivessem que desviar o seu rumo normal para por mim passarem.

Um cavalheiro de fato escuro, condutor de um desses veículos, resolveu abrir o vidro lateral direito e à boa maneira portuguesa, puxou do vernáculo que estava mais a jeito, e vai daí, atira-me com um valente : Ó cabr......, sai daqui que estás a empatar o trânsito!

Como nunca fui homem de me acobardar, e porque a cartilha por onde aquele “amigo” aprendeu o palavreado que me ofereceu, foi decerto a mesma por onde aprendi, reenviei-lhe pela mesma via a resposta que me veio à cabeça e que estava na ponta da língua: Cabr... é o teu pai!

Não foi um diálogo muito académico e dele não me orgulho, mas sempre me ensinaram a enquadrar-me no meio onde estivesse, e naquele caso, entendi que tinha de responder à altura. Infelizmente as minhas reacções nestes casos não são muito aconselháveis e fogem um pouco à regra do que habitualmente utilizo na vida.

Imaginarão que depois de um incidente daqueles, as coisas não ficariam assim e num repente, qual relâmpago ali caído, o provocador/condutor de fato escuro, trava o carro numa manobra arriscada, abre a sua porta e salta cá para fora com ar sério e ameaçador, praguejando e esbracejando na minha direcção.

Instintivamente fiz o mesmo e qualquer dos muitos transeuntes passantes, se preparou para assistir a uma valente briga à moda antiga.

O cavalheiro de fato escuro, avançou então de punho em riste, e eu preparei-me para a resposta, que convenhamos, com o peso que tinha, não teria sido nada agradável para o senhor. Claro que também eu teria levado um ou outro bom murro, mas a contenda seria seguramente bem renhida e disputada.

Sem perceber muito bem o que tinha acontecido, o tal cavalheiro de fato escuro, provocador e ameaçador, estava sem mais nem menos abraçado a mim, num pranto de criança que no imediato não me deixou perceber o que estava a acontecer.

Atónito, ouvi-lhe então, depois de um abraço ainda mais apertado: O meu pai não, por favor, o meu pai foi ontem a enterrar! O meu pai não, por favor!

Sem palavras, ali ficámos durante alguns instantes abraçados e de lágrimas rolando na face de cada um de nós, eu pedindo-lhe mil desculpas pelo que sucedido e ele repetindo vezes sem conta: o meu pai não, por favor... indiferentes ao trânsito que entretanto se tinha aglomerado rua acima.

Encostámos os carros um pouco mais adiante, em local apropriado e ficámos à conversa bastante tempo. O cavalheiro de fato escuro, bem mais calmo e aliviado, também desfeito em desculpas pela ofensa, lá partiu com a sua dor a caminho da vida e eu regressei à loja, que de colecções tinha ficado farto naquele dia.

Nunca mais nos vimos, e a atrapalhação dos momentos que vivemos ambos não nos permitiu raciocinar direito e nenhum de nós se lembrou de se apresentar. Nem os nomes ficámos a saber um do outro, nem era preciso, ele ficou o cavalheiro do fato escuro e eu... ninguém...

José Gonçalves

34 comentários:

Isamar disse...

E tudo acabou em bem. Não me parecia ser o caminho mais lógico depois de ambos, tomados pelo calor das palavras, terem decidido chegar a vias de facto. Pensavas tu assim, Zé, não pensou ele que, tendo perdido o pai no dia anterior, com a ferida ainda por sarar não conteve as lágrimas e num pranto lavado, qual criança, se abraçou a ti, sem forças para a contenda.Não terá sido tomado pelo pânico, também, quando viu o homenzarrão que lhe saiu do carro, habituado a pegar os touros pelos cornos? Creio que o medo também terá pesado no desfecho da situação. Quanto ao anonimato, a que ambos se reservaram, foi resultado natural depois de tanta atrapalhação de um e outro.
Uma história engraçada que podia ter terminado sem graça nenhuma.Para ambos!
Deixo-te beijinhossss e desejo-te uma boa noite. Hoje, uma bica a meio da tarde, está a ser a responsável por esta noitada.

Isamar disse...

E estou a preparar a despedida do "gordo" mais fofo da nossa blogosfera. Um brincalhão, um amigo que irá ter de suportar a brincadeira no dia 5 de Março se nos der azo a isso.Se permitires comentários ao teu post de despedida vais levar " prendinha" de acordo com o momento. E, depois, é para recordar.
Beijinhos desta amiga que jamais pretende ver-te pelas costas.Se isso acontecer, as lágrimas correrão. Deixo-te mais mil beijinhosssss

Elvira Carvalho disse...

Não é de nosso feitio dar a outra face. Normalmente retribuimos na mesma moeda. E às vezes acontece que as pessoas por estarem em sofrimento, agridem os outros, como se fazendo sofrer os outros aliviasse a sua dor. Parece que foi isso que aconteceu.
Um abraço amigo, e resto de bom Carnaval

António Inglês disse...

Olá sophiamar

Este não foi o melhor caminho que aquele episódio deveria ter tomado e nós por vezes reagimos de forma menos interessante e menos correcta.
Foi um pouco o que aconteceu e nem tempo tive de pensar fosse no que fosse.
Aquele pobre homem, mal sabia que meu pai também tinha falecido pouco tempo antes,e eu não tinha de chamar ao acontecimento quem não devia.
Este é um pouco o espelho da vida que levamos quando vivemos a correr e em stress.
Um grande beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

É mesmo disso que estou à espera. Afinal uma despedida é sempre uma despedida.
Eu ainda não sei bem o que irei postar como despedida nesse dia mas alguma coisa me há-de ocorrer.
Um grande beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Boa noite Elvira

Acho que foi exactamente o que se passou, embora o palavreado não tenha sido o mais académico, mas enfim, naqueles momentos não conseguimos reagir da melhor maneira.
Não era para ser tão claro neste texto mas sem o que se passou verdadeiramente, o episódio deixava de fazer sentido.
Um abraço
José Gonçalves

Maria disse...

Ah, já percebi agora porque é que foi todo aquele engarrafamento na Rua da Prata há quase doze anos... ainda hoje se fala nisso, hehehehehe.
Afinal às vezes nem tudo o que parece é...

Beijinhos

António Inglês disse...

Boa noite Maria

Pois não foi na Rua da Prata mas andou lá perto...
E na realidade nem tudo o que parece é...
Uma noite serena
José Gonçalves

Isamar disse...

Bom dia, querido amigo. Levantei-me um pouco mais tarde, a noitada assim me obrigou, vim reler o post e, afinal, somos todos tão parecidos! O stress e a fúria que se apossa de nós quando nos ofendem, fazem acontecer estas coisas. Tudo está bem quando acaba bem.

Mil beijinhos, bom dia de Carnaval!Boa passeata!

avelaneiraflorida disse...

Amigo José Gonçalves,

E assim se Vê a alma de alguém!!!!!
"BRIGADOS" por este post!!!!
Esta é a VIDA que ainda alguns sabem viver!!!!

Bjkas, amigo!!!

amigona avó e a neta princesa disse...

Ai Zé que eu nem sei se chore se ria!!! Há cada coisa na vida!!! e não sai nos jornais nem na tv!!!Ainda bem que partilhaste connosco!Beijo...

Branca disse...

Olá José,
Devias ser muito jovem. Não te estou a ver hoje a preocupares-te muito a reponder ao cavalheiro.Mas foi um episódio invulgar. Normalmente o desfecho não é de abraços. Ainda bem que o cavalheiro estava apenas sob tensão e tu sem querer fizeste com que ele descarregase as suas emoções de uma forma mais educada do que o tinha feito antes. É bem verdade que às vezes o mal vem por bem...
Um beijinho.

Elvira Carvalho disse...

E hoje tem desafio no Sexta-feira.
Um abraço, resto de boa semana

Branca disse...

José,
Vim só dizer-te boa noite e reparei que ultimamente ando muito trapalhona e mesmo revendo os textos deixo escapar faltas de letras. No comentário anterior falta um s em responder e outro em descarregasse.Desculpa, mas deves ter percebido.Já não é a primeira vez, isto é do cansaço que trago. Por isso vou já, já, descansar.
Beijinho de boa noite.

Carminda Pinho disse...

Olá Zé Gonçalves!
o episódio que descreve e, que li com atenção é bem mais usual do que aquilo que às vezes julgamos. Só o fim não. Deste final não estava à espera... :)
O cavalheiro de fato escuro foi à sua vida e, o "eu" ninguém...?
Será que a história é ficção?
Só pode, não,não estou a vê-lo metido num caldinho destes e depois, acho que também não o estou a ver numa qualquer loja de confecções (mesmo que fosse filho do dono) da Rua dos Fanqueiros...:)))
Hummm!

Beijos

amigona avó e a neta princesa disse...

Amigo Zé vim deixar aquele abraço...dizer-te também que nem referi o teu testemunho no post da Sidadania...muito obrigada por teres partilhado connosco...do coração...beijos...

amigona avó e a neta princesa disse...

Amigo Zé vim deixar aquele abraço...dizer-te também que nem referi o teu testemunho no post da Sidadania...muito obrigada por teres partilhado connosco...do coração...beijos...

Joaninha disse...

José,

Mas que história bonita.
Fiquei tocada
um abraço.

São disse...

Há situações íncriveis, efectivamente!!
Enfim, ainda bem que as coisas não acabaram mal.
Está quase a vir a Lisboa, não é?
Que tudo esteja bem!
Abraço-te!!

M@ri@ disse...

Ola meu doce amigo
Desculpa a minha ausencia.
Hoje vim dar um visitinha so para saberes que não te esqueçi.
Continuo sem pc mas em breve já vou estar de volta
Desejo a continuação de um dia feliz.
jokinhas doces
M@ri@

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido amigo José, adorei o texto, mas são situações que ás vezes nos embaraçam.
Beijinhos,
Fernandinha

António Inglês disse...

Sophiamar

Tudo acabou em bem, graças a Deus, mas ia dando para o torto.
Não fora o cavalheiro do fato escuro estar manifestamente perturbado com a morte do pai e tinha arranjado ali uma daquelas rixas à antiga.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Avelaneiraflorida

Esta é a vida de quem viveu a correr e a quem essa correria marcou de forma irremediável.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Amigona

Por esta eu não esperava e também poucas foram as vezes que se voltaram a mim.
Mas é a vida e já passou.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Branca

Hoje as coisas estão mais calmas nesse sentido mas tenho reparado que o meu sistema nervoso não estará já muito dentro do prazo...
De vez em quando ainda me passo, mas controlo-me rapidamente.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá Elvira

Ainda não respondi ao desafio que me lançou e penso que não irá ser fácil, mas a si não sou capaz de dizer não posso.
Em breve responderei, mas peço-lhe desde já desculpa pois o meu tempo tem sido muito escasso. Mal dá para responder, visitar e postar.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Branca

Não te preocupes com a "fuga" das letras pois a mim acontece-me o mesmo e ainda pior.
Muitas vezes troco a ordem das mesmas, creio pela pressa de escrever e alguma cansaço à mistura.
Por isso nem te rales com o assunto.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Boa noite Carminda

Este episódio foi verídico e o "eu" voltou para a loja que era do pai e foi dele também.
Estes "caldinhos" aconteciam com frequência pelas ruas de Lisboa no tempo em que a idade não pesava tanto.
Hoje vivo na província há uns anos e mesmo por aqui uma vez por outra assisto a "cenas macacas".
Sabe que há alturas na vida que as coisas não nos saem como queremos.
A educação fica no carro e abrindo o vidro, sai o que nos vem à cabeça, conforma a provocação que nos fazem.
Nunca fui de dar a outra face e por isso, normalmente respondo à altura.
Claro que hoje em dia tudo está mais sereno e como deixei de correr atrás. tudo está calmo.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Amigona

Pois respondi à chamada e já me comprometi a fazer uma postagem com a história que deixei num comentário, para que o nosso amigo o possa levar para o sidadania como me pediu.
Um grande abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Amigona

Dois comentários igualinhos... muito bem...
Um beijinho, uma vez que na resposta anterior lhe deixei um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Ola´Joaninha

Foi uma linda história, foi...
Mas podia ter sido bem pior.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá São boa noite.
Tudo sai bem quando acaba bem.
Fui hoje, quarta feira ao Dr. Jacques que ficou tremendamente agradado com a minha condição física.
Pelos vistos estaria convencido que eu iria voltar a engordar, mas enganou-se e vou iniciar uma nova dieta para chegar desta vez aos 100 kilinhos, talvez mesmo um pouco menos... ai não que não consigo...
Veremos quem ganha...
Um grande abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

m@ri@

Os PC's de vez em quando ficam como nós... avariam, mas tudo se conserta...
Gostei de a rever e já tinha sentido a sua falta.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Fernadinha

Pois são mesmo situações complicadas, e infelizmente nos dias que correm é melhor nem responder pois nunca se sabe quem está do outro lado...
Um beijinho
José Gonçalves