segunda-feira, 6 de agosto de 2007

HIROSHIMA



HIROSHIMA

6 de Agosto de 1945

Foi no Japão, mais precisamente em Hiroshima e Nagasaki, que a humanidade conheceu a mais terrível criação da tecnologia. Cerca das 8.14 horas, vários bombardeiros B-29 da força aérea dos EUA sobrevoam Hiroshima. Um deles, o Enola Gay larga a «little boy». A primeira bomba atómica a ser usada contra alvos humanos.

Um minuto depois, a cerca de dois mil pés de altitude, dá-se a explosão próximo do edifício do centro de exposições da industria e que hoje é designado como «a cúpula da bomba atómica». Era o centro da cidade.
Num segundo, uma enorme bola de fogo atingiu um diâmetro de 280 metros.

A temperatura no solo chegou aos 5 mil ºC.
A 600 metros do epicentro a temperatura era de 2 mil ºC.
Tudo ficou queimado. Mesmo a dois quilómetros de distância, desmoronaram-se edifícios de cimento armado.
A onda de calor intenso emitia raios térmicos, como a radiação ultravioleta.

Devastava pessoas, animais e vegetação.
Houve ainda a agravante de as montanhas em volta de Hiroshima terem «devolvido» a onda de calor, atingindo mais uma vez a cidade.

Naquela altura viviam em Hiroshima cerca de 350 mil pessoas.
Estima-se que morreram mais de 256,300 pessoas - a maioria (cerca de 90%) civis.

Destruiu tudo num raio de até 2 km de distância, devastando toda a vegetação e infra-estrutura da cidade. O barulho da explosão foi ouvido a quilómetros de distância.

Morreram não apenas japoneses. Na altura, coreanos e chineses tinham sido levados para Hiroshima para trabalharem nas fábricas.

O ataque fez com que o Japão se rendesse incondicionalmente, pondo fim à Segunda Guerra Mundial.

O jornalista norte-americano John Hersey fez em 1946 uma reportagem sobre os efeitos da bomba atómica lançada sobre Hiroshima, em Agosto de 1945.
Publicado pela revista The New Yorker, o texto relata o destino de seis sobreviventes do ataque, em linguagem sucinta e isenta de opinião.
A reportagem é considerada por muitos a maior de todos os tempos. Com o título Hiroshima, ela está sendo editada no Brasil pela Companhia das Letras, como primeiro volume da série Jornalismo Literário, lançada com o apoio cultural do site Último Segundo.


Trechos de Hiroshima, de John Hersey

Trecho 1 – “Uma Menina”

A noite estava quente e o calor parecia ainda mais intenso por causa dos incêndios, porém uma das meninas que os religiosos resgataram se queixou de frio. O padre Kleinsorge a cobriu com sua túnica. Com várias partes do corpo em carne-viva, consequência de enormes queimaduras produzidas pela radiação térmica da explosão -, a menina ficara horas dentro do rio, com sua irmã mais velha, e a água salgada do Kyo seguramente lhe causara uma dor excruciante. Ela se pôs a tremer e novamente se queixou de frio. O padre Kleinsorge pediu um cobertor emprestado e a agasalhou, porém ela tiritava cada vez mais. "Estou com muito frio", disse. De repente parou de tremer e morreu.

Trecho 2 – “Nem tudo morreu”

Essa foi a primeira oportunidade que a srta. Sasaki teve de contemplar os escombros da cidade, já que, quando percorrera as ruas de Hiroshima pela última vez, divagava no limite da inconsciência. Embora tivesse ouvido descrições do desastre e ainda sentisse dor, horrorizou-se e surpreendeu-se com o que viu, e uma coisa em especial provocou-lhe arrepios. Por toda parte - sobre os destroços, nas sarjetas, nas margens dos rios, entre as telhas e as chapas de zinco dos telhados, nos troncos carbonizados das árvores - estendia-se um tapete verde, viscoso, optimista, que brotava até mesmo dos alicerces das casas em ruínas. O capim já escondia as cinzas, e flores silvestres despontavam em meio ao esqueleto da cidade. A bomba não só deixava intactos os órgãos subterrâneos das plantas, como os estimulara. Por toda parte havia centáureas, iúcas, quenopódios, ipoméias, hemerocales, beldroegas, carrapichos, gergelim, capim e camomila. Principalmente num círculo do centro o sene vicejava numa extraordinária regeneração, não só entre os restos crestados da mesma planta, como em outros pontos, em meio aos tijolos e através das fendas do asfalto. Parecia que o mesmo avião que jogara a bomba soltara também uma carga de sementes de sene.

Trecho 3 – “A subida da maré”

No parque a sra. Murata manteve o padre Kleinsorge acordado a noite inteira, falando sem parar. Os Nakamura também não pregaram olhos; apesar de muito doentes, as crianças estavam interessadas em tudo que ocorria. Empolgaram-se quando um dos reservatórios de gás da cidade explodiu. Toshio, o menino, chamou a atenção dos outros para o reflexo das labaredas na água. Depois de muitas horas de trabalho resgatando vítimas, o sr. Tanimoto cochilou. Quando despertou, à primeira claridade da manhã, olhou para o outro lado do rio e constatou que, na véspera, não havia colocado os feridos e mutilados num local bastante alto. A maré subira até onde os deixara, e os infelizes não tiveram forças para se mover; certamente se afogaram. Muitos cadáveres boiavam no Kyo.


Trecho 4 – “Naquela hora todos eram iguais”


Depois de passar cinco dias assistindo aos feridos do parque, em 11 de Agosto o sr. Tanimoto retornou a seu presbitério e escavou as ruínas. Resgatou alguns diários e registros paroquiais, que estavam queimados só nas bordas, bem como alguns utensílios de cozinha e peças de louça. Enquanto trabalhava, a srta. Tanaka se aproximou e comunicou-lhe que seu pai queria vê-lo.
O sr. Tanimoto tinha motivo para odiar esse homem, o oficial reformado da companhia de navegação, que embora praticasse a caridade ostensivamente, era egoísta e cruel e dias antes denunciara o reverendo a diversas pessoas como um espião a serviço dos americanos. Várias vezes caçoara do cristianismo, que classificava de não-japonês.
No momento da explosão caminhava pela rua, em frente à estação de rádio local, e, apesar de sofrer graves queimaduras produzidas pela radiação térmica, conseguira voltar para casa. Refugiou-se no abrigo da associação do bairro e mandou chamar um médico.
Esperava que todos os médicos de Hiroshima fossem acudi-lo, por ser tão rico e famoso por suas doações em dinheiro. Nenhum deles apareceu, e o sr. Tanaka resolveu procurá-los; apoiando-se no braço da filha, arrastou-se de um hospital a outro, mas, como todos estavam em ruínas, retornou ao abrigo e se deitou. Agora se sentia muito fraco e sabia que ia morrer. Queria receber o conforto de alguma religião.
O sr. Tanimoto foi confortá-lo. Entrou no abrigo, que mais parecia um túmulo e, quando sua vista se acostumou com a penumbra, viu o sr. Tanaka, o rosto e os braços intumescidos e cobertos de pus e sangue, os olhos fechados pelo inchaço. O velho cheirava muito mal e gemia sem parar. Aparentemente reconheceu a voz do pastor.
De pé na escada, onde havia alguma claridade, o sr. Tanimoto leu um trecho de sua Bíblia de bolso, em japonês: "Pois mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite! Tu inundas os filhos dos homens com sono, eles são como erva que brota de manhã: de manhã ela germina e brota, de tarde ela murcha e seca. Sim, por tua ira nós somos consumidos, ficamos transtornados pelo teu furor. Colocaste nossas faltas à tua frente, nosso segredos sob a luz da tua face. Nossos dias todos passam sob tua cólera, como um suspiro consumimos nossos anos [...]"

O sr. Tanaka faleceu enquanto o sr. Tanimoto lia o salmo.

DEPOIMENTOS

Humberto Werneck

Hiroshima é uma obra-prima do jornalismo literário. É uma reportagem absolutamente rigorosa, sem um pingo de ficção, e consegue realizar a ambição do bom jornalismo, que é trazer a realidade à frente do leitor, reconstruir as histórias a partir de depoimentos.
A reportagem certamente está entre as melhores já realizadas. O que me impressiona muito positivamente é que não há opiniões colocadas. O jornalismo de hoje é muito editorializado, cheio de interferências, seja do autor, seja do veículo em que a reportagem sai, com muitas "pensatas". No caso de Hiroshima seria muito fácil escorregar para uma condenação à bomba, mas os fatos simplesmente falam por si. A contundência da reportagem resulta exactamente dessa postura. Hersey mostra que a realidade tem uma força muito grande, não é preciso que o jornalista tente empurrá-la goela do leitor abaixo. Ainda que a objectividade nunca vá ser totalmente alcançada, ela deve estar sempre entre as primeiras metas de um jornalista. Hersey jamais faz um esforço para vender emoções; a emoção e também a informação pertencem à coisa em si.

Ruy Castro

O livro é uma façanha do jornalismo de campo, feito no calor da hora, mas com um distanciamento brilhante. É uma leitura obrigatória para todos que se interessam pela história do século XX e para quem gosta de se emocionar com uma narrativa real. Esta reportagem consolidou a The New Yorker como a melhor revista do mundo, posição que manteve durante quase todo o século XX.


"Há datas que não podemos esquecer. A humanidade deveria ter a coragem de assumir os erros que pratica, sejam eles em nome de quem forem praticados ou em que circunstâncias.
A PAZ, a FRATERNIDADE a CONCÓRDIA têm de ser cada vez mais estimuladas e fomentadas entre os homens para que possamos ter um Mundo melhor.

É um dever de todos nós


4 comentários:

Anónimo disse...

Querido Amigo,

O artigo está excelente!
Realmente a guerra gera guerra... Temos de fazer mais pela Paz, para ver se ela se multiplica da mesma maneira.

Muitos beijinhos

António Inglês disse...

Amiga aramis

Se o homem tivesse consciência do seu papel na terra, seguramente que estaríamos todos muito melhor, sem guerras.
Infelizmente, como ouvi há uns bons anos dizer a alguém, nasce o homem nasce o poder, e isso tem sido suficiente para que o homem não pense em nada senão em si próprio.
Façamos a paz pois.
Um beijinho
José Gonçalves

Maria Faia disse...

Olá Amigo José Gonçalves,

Estou a deliciar-me com o sol, a sombra e, sobretudo, o mar algarvio.
Estas águas mornas e calmas dão-me a paz nevcessária para o retemperar das forças gastas...
Beijinho para vós

António Inglês disse...

Olá Maria Faia

Fico muito cheio de inveja mas satisfeito por saber que está a retemperar forças.
Faça o favor de aproveitar bem o nosso Algarve e vá dizendo coisas.
Aproveito para a lembrar que teremos a Tertúlia sobre Ambiente no próximo dia 6 de Agosto pelas 21h30m no Hotel Palace do Capitão na marginal.
Beijinhos
José Gonçalves