sábado, 28 de julho de 2007

Pregões da Lisboa Antiga



Pregões da Lisboa Antiga

Do café expresso / Zecatelhado retirei o texto que transcrevo, acrescentando-lhe alguns pequenos apontamentos da minha memória, se ela me ajudar. Dou assim continuidade aos temas que cantam Lisboa, cidade das sete colinas, tão velhinha onde os vestígios da idade se vão perdendo em nome do progresso, mas que não deixa de ser hoje e sempre LISBOA.

...Ia ontem Rua do Arco do Carvalhão acima, quando deparei com uma figura que não me era desconhecida de todo. Embora já muito marcada pela idade, reconheci logo aquela senhora que ainda jovem passava na minha rua com um enorme saco de serapilheira à cabeça apregoando " PALHA BARATA"!

Era a Lisboa de há quase cinquenta anos atrás. Pelas ruas ouviam-se os célebres pregões da época que enchiam o ar ( ainda não poluído ) de sons cantados pelos pregoeiros:

" Ferro Velho!"... "Olha a Fava Rica!"... "Bolinhas de Berlim!"..." Olha a baunilha!"... " Quem tem trapos e garrafas para vender?!"... " Olha língua da Sogra!"..."Há carapau e sardinha linda!"... “Vivinha da costa!”... “Venha ver freguesa!”... "Quem me acaba o resto!"... "Queijo saloio"..."Olha o funileiro" etc...

Os típicos carros do vendedor de castanhas... “Quem quer quentes e boas”, e do vendedor de gelados ( que ainda hoje existem alguns) “Olh'ó gelado, há o rajá fresquinho”.

Mas haviam alguns pregões que eram autênticas maravilhas, senão reparem:

"...Ó meninas desta rua
venham todas à janela
venham cá ver o Germano
e comprar uma cautela
É o 28 mil novecentos e vinte e três
amanhã é que anda a roda!"

Era o "tio Germano" cauteleiro, que subia e descia a Morais Soares todo o santo dia.

Ou ainda:

" Há figuinhos de capa rôta
quem quer figos
quem quer almoçar!"

Recordo também alguns "sinais" que avisavam da presença do vendedor:

O "amolador"- geralmente um galego com uma geringonça feita em madeira com uma enorme roda que servia simultâneamente de peça de balanço para a maquineta e de roda de transporte da mesma, guarda-chuva às costas e boina. Ainda hoje, embora muito raramente, se encontram.

O "petrolino" - Era uma carroça em metal puxada por um cavalo, uma mula ou um macho, que vendia uma certa gama de produtos tais como: Petróleo para os fogões, álcool etílico, piassabas, vassouras, penicos, sabão, palha de aço, etc...

“Olh’ó Popular”, “Diário de Noticias” cantavam os ardinas, percorrendo as ruas de lisboa, entrelaçando o jornal num nó e com mão certeira lá o iam enviando para a varanda do destino. Raramente falhavam.

“É regar e pôr ao luar!”... da boca da vendedeira de manjericos. “ Fava rica!”... “Anda amanhã a roda!”... do cauteleiro, “É de Sintra e é de Sintra, moranguinhos!”... “ Água de Caneças!... Sei lá, tantos que muitos deles já nem me lembro.

Era uma outra Lisboa, muito diferente desta de hoje, que, confesso, às vezes recordo com uma pontinha de nostalgia, talvez mais popular e dos pregões se faziam pequenos versos e lindos poemas. Aqui deixo um poema da autoria de Euclides Cavaco

“PREGÕES DE LISBOA”

Mal rompeu a madrugada,
Já Lisboa era acordada,
Com seus pregões matinais,
Pela varina peixeira ,
Lá p'rós lados da Ribeira,
Ou o ardina dos jornais.

A Rita da fava rica,
Que vem do bairro da Bica,
Traz pregões à sua moda.
E o homem das cautelas,
Diz p’las ruas e vielas,
Amanhã, é que anda a roda…

Apregoa-se a castanha,
Desde o Rossio ao Saldanha,
Os pregões são sempre assim,
Flores na Praça da Figueira
E diz cada vendedeira
Ó freguês!.. compre-me a mim!…

E de canastra à cabeça,
Quase até que anoiteça,
Há em mil bocas pregões.
Mas não se vê já passar,
A figura popular,
Da Rosinha dos limões!…


10 comentários:

Ernesto Feliciano disse...

Amigo José,

Mais um excelente artigo que nos trás a todos através do seu blog.

É sempre tão bom ver os hábitos e tradições de outras épocas.

Lisboa era tão diferente!

António Inglês disse...

Amigo Ernesto

Lisboa encerra um mar de recordações a muitos portugueses.
Quem já tem uns anitos como eu relembra com saudade todos ou quase todos estes hábitos, costumes e tradições do nosso povo, em especial aquele que viveu na capital ou de lá é natural.
A sociedade vai mudando, mas ficará sempre a nostalgia dos bons velhos tempos em que uma simples nota de vinte escudos pagava a gasolina de quase uma semana, onde se ia namorar para todo o lado e a qualquer hora sem problemas de segurança, incomodados apenas pelos "mirones"
Tempos em que o padeiro levava o pão à porta de cada um, bem como o leiteiro e tudo o resto que se necessitava lá aparecia.
Os pregões não avisavam só que chegavam os vendedores disto ou daquilo. Como vinham normalmente à mesma hora todos os dias, eram uma ajuda preciosa para que as donas de casa se lembrassem do que ainda tinham para fazer antes da chegada da família.
Era uma época em que a maioria delas ficavam em casa no tratamento das tarefas domésticas e à noite esperavam na janela o regresso do marido que vinha do trabalho e os filhos da escola, quando já tinham idade disso.
Durante o dia, a porta estava sempre aberta e enquanto iam trabalhando deitavam um dedinho de conversa com as vizinhas que para todos nós eram como se fossem da família.
Outros tempos meu caro, outros tempos...
José Gonçalves

Ernesto Feliciano disse...

Estou a ver que recorda tudo isso com muita saudade...

António Inglês disse...

Meu caro Ernesto

Recordo mesmo com profunda saudade.
A nossa vida vai sendo recheada de datas que nos deixam marcas profundas, em especial a saudade.
Sabe que foi lá que passei a maior parte da minha vida, foi lá que vivi com meus pais e minhas irmãs. Lá comecei a trabalhar e foi lá que namorei e onde nasceram os meus filhos.
Hoje, os meus pais partiram para um passeio onde só os voltarei a ver um dia destes, os meus filhos têm cada um a sua própria vida e o seu caminho, embora sejam outros como é natural, e LISBOA, ficou no espaço e no tempo.
Lá vou matar saudades uma vez por outra enquanto tiver forças para o fazer.
De resto, também lhe digo que não me encosto ás recordações nem vivo delas, mas sabe-me bem trazê-las à memória e delas dar testemunho.
Um abraço
José Gonçalves

Maria Faia disse...

Olá Amigo,

Quantas boas recordações tem você de Lisboa...aquela cidade hoje infernal que, em roda viva gira, com uns r outros em anonimato supremo.
Gostei de ler este artigo não só porque ele representa a memória do passado de uma cidade que é nossa mas, também, porque durante a minha meninice, passei muito tempo por lá, tempo que recordo com saudade. Eram as brincadeiras na fonte luminosa, toda iluminada jorrando água de deliciar, os passeios nos eléctricos e autocarros de 1º andar, sempre que acompanhava o meu tio, que era motorista da Carris enfim... uma série de recordações bonitas do meu passado mais longínquo.
Ainda me lembro também dos pregoeiros de que fala...
Hoje tudo mudou. Para melhor e para pior...
Mas, é sempre bom recordar.

Beijinho

António Inglês disse...

Olá Maria Faia


São boas as nossas recordações sem dúvida, até porque se as lembramos é porque foram mesmo boas.
Também andei pela Fonte Luminosa quando pequeno.
Quantas lembranças...
Obrigado pela sua visita amiga.
José Gonçalves

Anónimo disse...

Amigo José Gonçalves,

Gostei mesmo muito deste teu artigo!

Belas recordações dos pregões de Lisboa, ainda hoje tenho alguns no ouvido...
Como é que em tão poucos anos Lisboa se tornou tão diferente? E por mais que pense, não consigo encontrar muito positivismo na diferença.
Enfim, "outros tempos"...

Muitos beijinhos

aramis disse...

Passa no "aramis-cavalgada".

António Inglês disse...

Aramis


Olá amiga, os pregões bem como tantos outros usos e costumes do nosso povo são para recordar.
A recordar tambem se vive, como diz a canção.
Como vês, cá vou tentando desfear um novelo de imagens e arquivos de memória, enquanto é tempo, sabe bem e dá-me prazer.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Aramis

Hoje se calhar vai ser dificil de visitar o teu cantinho, porque não me encontro por casa mas amanhã seguramente que te visitarei
Um beijinho
José Gonçalves