sexta-feira, 6 de julho de 2007

As canecas das Caldas no Chão da Parada


Do Oeste on-line retirei o artigo que transcrevo, certo de que a actividade merece ser realçada e a região do Oeste reavivada.

O CHÃO DA PARADA, pequeno lugar da freguesia da Tornada, faz parte do Concelho das Caldas da Rainha, e tem afinal a importância de ter no seu seio um artesão, Francisco Agostinho, que executa há 32 anos, uma das peças de artesanato mais emblemáticas do país e da cerâmica tradicional das Caldas da Rainha, os famosos “ falos das Caldas “.

Francisco Agostinho é conhecido pelos amigos como o Chico das Pichas. porque produz a loiça erótica das Caldas no seu atelier no Chão da Parada há 32 anos.

Embora não se incomode com isso, às vezes responde que “pichas agora já faço poucas”. Após todos estes anos dedicado aos falos e às canecas das Caldas continua a dizer que gosta do que faz. “Se começasse de novo, sabendo o passado que tenho, voltaria a fazer tudo. Eu tenho orgulho do que faço, embora nunca tenha ganho muito dinheiro

Apesar de não parar de trabalhar, o que produz diariamente não chega para as encomendas. “Nunca pára aqui nada em armazém. Vou fazendo e vendo logo tudo”. Francisco Agostinho orgulha-se também de ter clientela fiel que prefere esperar a ir comprar a outro lado.
Desde 1975 que se dedica à loiça erótica das Caldas. Tinha então 35 anos, era pedreiro de profissão e foi nessa qualidade que foi fazer um trabalho de construção civil às Faianças Rafael Bordalo Pinheiro. Como gostaram tanto do seu trabalho “e viram que eu era uma pessoa responsável”, conta, convidaram-no para lá ficar para trabalhar na cerâmica.

Esteve lá durante cinco anos, mas foi montando um pequeno atelier junto à sua casa onde tinha um forno a lenha. “Comecei a fazer uns bonecos e umas garrafinhas” com a ajuda da sua mulher. Só que a esposa começou a conseguir mais dinheiro do que aquele que ele recebia na fábrica. Por isso não hesitou e decidiu começar a fazer por conta própria os famosos falos das Caldas.
Naquela altura toda a gente fazia produtos destes. Das fábricas, se calhar, só mesmo a Secla, a Bordalo Pinheiro e a Subtil é que não faziam”, diz Francisco Agostinho.
Com os anos foi ele próprio fazendo algumas inovações, como as garrafas-falos envolvidos em fatos de noiva e outros adereços. Também as tradicionais canecas sofreram muitas alterações nas suas mãos. A caneca com a face do Mário Soares, criada por um ceramista do Cencal, foi das mais vendidas de sempre. “Só não vendi mais porque não tinha”, disse.
Francisco Agostinho também não sabe muito bem de onde veio a tradição da loiça erótica das Caldas. Reza a lenda que o rei D. Luís queria oferecer umas prendas diferentes aos amigos e nessa altura terá pedido a ajuda de Rafael Bordalo Pinheiro, tendo surgido o agora famoso falo. As Caldas tornou-se desde essa altura conhecida como terra dos falos, embora se utilize normalmente uma palavra mais brejeira.
Um futuro sem definição
Entretanto, com o declínio das vendas e com o fecho de algumas fábricas mais pequenas, Francisco Agostinho chegou a ser o único ceramista a fazer a loiça erótica das Caldas. Recentemente houve quem tivesse descoberto nisso uma oportunidade, mas é o próprio Francisco Agostinho quem diz que o negócio não é muito rentável. Principalmente se houver muita concorrência, apesar de não se queixar de falta de encomendas. “A outra louça deve ser mais rentável”, acha, justificando assim o abandono dos falos por parte das fábricas.
Nos dias de hoje o que faz mais são as famosas canecas com um pequeno falo no seu interior, mas ainda faz alguns bonecos e dos falos grandes. Quanto às canecas “não vendo mais porque não tenho”.
Por mês saem do seu pequeno atelier milhares de canecas das Caldas feitas por ele, tudo à mão. “Agora estou a trabalhar praticamente sozinho porque a minha mulher tem as netas para tomar conta”.
Chegou a vender muitas peças para o estrangeiro (Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos e Espanha), mas agora trabalha apenas para o mercado nacional “e só para algumas lojas”.
Em tempos chegou a empregar muitas funcionárias e num ano produziam cerca de 50 mil bonecos com o também tradicional cordão que quando esticado revela um falo. Eram os “jogadores” do Benfica, do Sporting e do Porto os mais procurados, mas os clubes começaram a querer “royalties” pela utilização dos seus símbolos e isso também se perdeu. Chegaram a pedir-lhe 25 mil euros para poder utilizar o emblema do Benfica, “mas isso não irei eu ganhar o resto da vida a vender os bonecos das Caldas”.
Aos 67 anos Francisco Agostinho está preocupado com o futuro desta actividade porque os filhos não quiseram seguir a sua profissão e há pouca gente a interessar-se por esta tradição erótica das Caldas. O ceramista tem feito muito pela divulgação da tradição e apareceu em inúmeros programas de televisão. Às vezes puxando pelo humor, como no Herman Sic e no Cabaret da Coxa, mas também em programas mais generalistas. “Todas as televisões portuguesas já vieram aqui”, salienta.
O vídeo realizado para o Cabaret da Coxa, da SIC Radical, circula na Internet e faz rir milhares de portugueses. “O Rui Unas entrou para aqui e disse para eu falar o pior possível”, contou. A anedota mais recorrente é sempre aquela do “quando chega às cinco não faço nem mais um…” ao que responde sempre “a minha esposa é que diz: a partir de agora não mexo em mais nenhum”, deixando os interlocutores sem resposta.
A Câmara das Caldas chegou a convidá-lo para ir dar formação, mas depois o convite foi desfeito por não ter curso de formador. Muitas vezes foram autarcas ao seu atelier para dar entrevistas, mas Francisco Agostinho nunca teve, nem pediu, qualquer apoio ou foi tido em conta para promover a continuação da loiça erótica das Caldas.
Com certeza que os seus bonecos e as suas canecas fariam sucesso no salão erótico e o nome das Caldas poderia usufruir com isso. Basta haver quem invista nisso.

Tirado do Jornal Oeste OnLine

4 comentários:

Ernesto Feliciano disse...

Amigo José,

Transcreveu no seu blogue uma entrevista muita interessante.

O produto da actividade do sr. Francisco é reconhecido além fronteiras.

Realço ainda a sua preocupação em não ter ninguém que queira aprender o ofício, e assim o seu saber, pode perder-se.

Um abraço.

António Inglês disse...

Amigo Ernesto

Pois é, é uma pena que o valor das pessoas não lhe seja creditado como elas merecem.
O fruto duma actividade artesanal como a do Sr. Francisco não é rentável nos dias de hoje, daí talvez o facto de não existir ninguém que queira aprender o oficio.
Repare que o Sr. Francisco tem dois filhos, já bem adultos e nenhum deles quis ou pode dar continuidade à actividade do pai.
Pena que os nossos governantes não olhem para quem tanta projecção atingiu quer pessoalmente, quer em prol da sua terra e de uma região.
O reconhecimento público destas situações não bastariam com umas palmadinhas nas costas, seria de todo uma justiça que se criassem condições de continuidade e até de apoio local.
Temo que venha a perder-se como diz.
Pela minha parte, achei interessante transcrever o artigo, não só porque penso deve ser transmitido a quem este blog visita, mas também porque conheço o "Chico das Pichas" e sua mulher, gente boa e de primeiríssima qualidade humana.
Um abraço
José Gonçalves

Maria Faia disse...

Caro Amigo Inglês,
É com muito agrado que o vejo divulgar uma das actividades mais características e emblemáticas da nossa região: a cerâmica artesal.
E, dentro desta a actividade do Sr. Francisco Agostinho que produz "os das caldas" mundialmente famosos. Ele são as canecas, as caixas de fósforos, os abades, as freirinhas etc., todos bem ornamentados com o seu "instrumento".´

Um abraço amigo.
Alzira

António Inglês disse...

Olá Alzira

A nossa cerâmica artesanal está em decadência como sabe.
Há uns tempos, tive a ocasião de visitar o Sr. Francisco numa visita incluída num passeio que os nossos amigos Rotários de Caminha fizeram a alguns dos monumentos da nossa região e que fazem parte do número daqueles que são candidatos às 7 maravilhas de Portugal.
Já há uns anos atrás, quando fiz parte da Casa da Cultura José Bento da Silva de São Martinho do Porto, uma das iniciativas que tivemos, foram alguns passeios a várias zonas do país, visitando não só museus como algumas actividades artesanais mais marcantes das zonas que visitámos.
Tenho um defeito grande, sou um tremendo apaixonado dos usos e costumes tradicionais portugueses e procuro interessar os que me rodeiam dessa minha paixão.
Numa só frase, sou um adepto da cultura popular, até porque acho que essa é a mãe de todas as culturas.
Um abraço e um beijinho.
Ah e um obrigado pela sua visita.
José Gonçalves