domingo, 24 de fevereiro de 2008

MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA

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Prestei ontem a minha homenagem a um grande português da música, das artes e da liberdade. Hoje faço-o em relação a uma grande mulher portuguesa também das artes e da liberdade. É destes portugueses que se vai fazendo a história e deles será bom lembrar-mo-nos sempre.


VIEIRA DA SILVA



O PRINCÍPIO DO CAMINHO

Lisboa, 1908, dia de Santo António, o padroeiro da cidade. O diplomata Marcos Vieira da Silva é pai pela primeira vez. Sua mulher, Maria da Graça, teve uma filha a quem é dado nome de Maria Helena Vieira da Silva. Não terá a companhia do pai por muitos anos.




Maria Helena tem cerca de dois anos quando parte com a família e a sua preceptora para a Suíça. Não se trata de missão diplomática. O pai sofre da doença que muitos vitima no reino de Portugal - a tuberculose; e a Suíça tem bons ares, bons sanatórios – é a esperança de uma cura. Para Maria Helena será a neve, as montanhas, a tranquilidade de uma infância. Mas não por muito tempo. Em Fevereiro de 1911 o pai morre. É uma perda que não se esquece.


A família regressa a Lisboa. Instala-se na casa do avô materno. Homem de ideais republicanos e editor, director do jornal "O Século". Tudo é agora diferente. À serenidade da Suíça contrapõe-se a agitação que se vive em Portugal.




Lisboa é uma cidade de convulsões. A República tinha sido implantada no ano anterior, e nem a todos agrada. Os movimentos políticos são muitos. As ideias estão ainda em ebulição.





Até 1926 Portugal terá cerca de 50 governos. As revoluções são uma constante. De permeio, Portugal participa ainda na 1ª Grande Guerra. Ao clima de instabilidade política junta-se também a económica e social. É necessário recorrer a empréstimos estrangeiros e, enquanto isso, os trabalhadores reclamam pelo seus direitos. Tempos difíceis estes. Muitos anseiam que venha alguém que ponha tudo em ordem.



Maria Helena está protegida de tudo isto. Vive na grande casa de seu avô. Um mundo de adultos. Não frequenta a escola. A educação é feita em casa. A própria mãe toma isso a seu cargo. Aprende a ler e a escrever em português, francês e inglês. Não tem a companhia de outras crianças. Momentos há em que sente tristeza, angústias, talvez a solidão, como ela própria o dirá mais tarde:




Era a única criança, numa casa muito grande, onde me perdia, onde havia muita coisa, muitos livros ... não tinha amiguinhas, não ia à escola.... Quando a guerra rebenta, a mãe e a tia refugiam-se na leitura do Apocalipse de que Maria Helena é ouvinte. São imagens que lhe ficam e que se hão-de juntar a outras, de outras guerras.



Aos 5 anos faz desenhos, aos 13 pinta a óleo. Dado o interesse da criança, a família apoia a aprendizagem. Emília Santos Braga será a primeira professora; aliás tem já várias discípulas, às quais ensina no seu estilo de pintora da escola académica. A pintura estará a cargo do Professor da Escola de Belas Artes, Armando Lucena. A música chega a atraí-la, faz composição. Não se considera com talento, optará pela pintura.



Em 1916 a Mãe compra uma casa em Sintra. Alguns Verões serão aí passados. A paisagem que a rodeia impressiona-a, questionando-se como representar tudo o que vê. Mais tarde há-de querer mostrar Sintra ao marido, explicando-a com uma pintura.



Na Escola de Belas Artes de Lisboa frequenta um curso de escultura. A anatomia também a interessa; para melhor a aprender frequenta a disciplina na Escola de Medicina. Em 1926 muda-se para outra casa que a mãe adquire em Lisboa. Mas esta cidade não lhe basta:



Já não podia progredir em Lisboa, a pintura que aí fazia não me satisfazia, não sabia o que fazer, nem como fazer. Tem de procurar outros caminhos. Dois anos mais tarde parte para Paris, a acompanhá-la vai sua mãe.



Uma das mais importantes pintoras europeias
da segunda metade do século XX



Nasceu em Lisboa em 13 de Junho de 1908;
morreu em Paris em 6 de Março de 1992.



Filha do embaixador Marcos Vieira da Silva, ficou órfã de pai aos três anos, tendo sido educada pela mãe em casa do avô materno, director do jornal O Século.




Tendo mostrado interesse, desde muito pequena, pela pintura e pela música começou a estudar pintura, a partir de 1919, com Emília Santos Braga e Armando Lucena. Em 1924, frequenta as aulas de Anatomia Artística da Escola de Belas Artes de Lisboa.



Em 1928 vai viver para Paris, acompanhada pela Mãe, indo visitar a Itália. No regresso começa a frequentar as aulas de escultura de Bourdelle, na Academia La Grande Chaumière. Mas abandona definitivamente a escultura, depois de frequentar as aulas de Despiau.




Começa então a estudar pintura com Dufresne, Waroquier e Friez, participando numa exposição no Salon de Paris. Conhece o pintor húngaro Arpad Szenes, com quem casa em 1930, e com quem visitará a Hungria e a Transilvânia.



Em 1935 António Pedro organiza a primeira exposição da pintora em Portugal, e que a faz estar em Portugal por um breve período, até Outubro de 1936, após o qual voltará para Paris, onde participará activamente na associação «Amis du Monde», criada por vários artistas parisienses devido ao desenvolvimento da extrema direita na Europa.





Regressará em 1939, devido à guerra, já que para o seu marido, judeu húngaro, a proximidade dos nazis o incomoda, naturalmente. Ficará em Portugal por pouco tempo, pois o governo de Salazar não lhe restitui a cidadania portuguesa, mesmo tendo casado pela igreja. Não deixa de participar num concurso de montras, realizado no âmbito da Exposição do Mundo Português, que também lhe encomendou um quadro, mas cuja encomenda será retirada.




O casal de pintores decide-se a ir para o Brasil, até porque as notícias sobre uma possível invasão de Portugal pelo exército alemão não são de molde a os sossegar.




No Brasil serão recebidos de braços abertos, recebendo passaportes diplomáticos, que substituem os de apátridas emitidos pela Sociedade das Nações, tendo mesmo recebido uma proposta de naturalização do governo.



Residirão no Rio de Janeiro até 1947, pintando, expondo e ensinando, regressando Vieira da Silva primeiro que o marido, retido pelos seus compromissos académicos.




É a época em que Vieira da Silva começa a ser reconhecida. O estado francês compra-lhe La Partie d'échecs, um dos seus quadros mais famosos. Vende obras suas para vários museus, realiza tapeçarias e vitrais, trabalha em gravura, faz ilustrações para livros, cenários para peças de teatro.




Expõe em todo o mundo e ganha o Grande Prémio da Bienal de São Paulo de 1962, e no ano seguinte o Grande Prémio Nacional das Artes, em Paris,



Em 1956, foi-lhe dada a naturalidade francesa.



Vieira da Silva morreu em 6 de Março de 1992, em Paris.

Fontes:
José Augusto França
A Arte em Portugal no Século XX,

Lisboa, Bertrand, 1974


História trágico marítima.
1944, óleo sobre tela, 81 x 100 cm
Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, Portugal


Quadro de Vieira da Silva (1908-1992), pintado no Brasil e parte de um grupo de quadros que abordaram a temática da guerra e da violência.

O chamado período brasileiro (1940-1947), época em que Helena Vieira da Silva e o seu marido, Arpad Szenes, viveram no Rio de Janeiro, caracteriza-se pelo regresso à figuração abandonando, por um tempo, o abstraccionismo, sendo por isso considerado um período de reflexão na obra da pintora,

Fonte:
Texto de apresentação de José Sommer Ribeiro
em
Arpad Szenes - Vieira da Silva. Período Brasileiro.
Catálogo da Exposição realizada de 29 de Junho a 17 de Setembro de 2000
na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva.
Fotos da Net
José Gonçalves

21 comentários:

Maria disse...

Uma pintora de excepção, também ela indissoluvelmente ligada à Revolução dos cravos, com o seu famoso quadro "A poesia está na rua"...
.... cujo cartaz durante anos esteve mesmo aqui, pertinho de mim... (ainda o guardo, um pouco rasgado...)
Obrigada por teres partilhado toda esta informação connosco.

Bom domingo
Beijo

Isamar disse...

Um post lindíssimo! Hummmmmm!!!!

Obrigada, Zé! Dou-te já mil beijinhossssss. Se tu soubesses o prazer que me deste! Adoro arte, pintura,neste caso, e falar deste símbolo de Liberdade que brilhou no estrangeiro, nomeadamente em França, porque o seu país não a soube acarinhar como devia, dói. Ferida aberta, mesmo. A ela e a tantas outras. Mas a Vieira da Silva, como lhe chamo, é a nossa mais estrela na tela, na prancheta das cores da vida.
Tens desafios no meu mar. Fazes parte daquela casa que será tua enquanto me quiseres visitar.Gosto muito de ti.
Voltarei.
Beijinhossssss mil

Elvira Carvalho disse...

Por favor passe no Sexta-feira, quando puder.
Obrigada
Um abraço


Este post eu venho ler com cuidado à noite. E depois conto-lhe uma história.

avelaneiraflorida disse...

LINDO!!!!!!! LINDO!!!!!! SOU FÂ INCONDICIONAL!!!!!!

BRIGADOS POR ESTE POST, AMIGO JOSÉ GONÇALVES!!!!!

bJKAS!!!

Lisa's mau feitio disse...

Avô do meu coração!!

Que blog espectacular!!
Aonde é que o Avô andou este tempo todo em que não o encontrei!!!

O que eu já aprendi neste blog numa semana...

Deus santo...

Tenho de divulgar isto, AvÕ!!!

é um espectáculo...

Adoro pintura... Por isso este post soube-me a hisória de encantar do Avô para a neta!:)

Mil beijinhos grandes, meu querido!

Lisa

Branca disse...

Olá Zézinho,
Ontem tentei entrar aqui e não consegui, custava a abrir.
Espero que esteja tudo bem contigo.
Mais um post com imensa informação e muito interessante sobre uma das nossas maiores pintoras. Gostei como sempre de ler tudo o que pesquisas e aqui nos trazes. Contigo aprendemos sempre muito.
Desejo-te uma boa semana e deixo-te um grande beijinho.
Mana Branca

Carminda Pinho disse...

Um post de muito bom gosto, este.
A arte desta mulher ficará para sempre ligada à Liberdade.
Grande post Zé!

Beijinhos

Elvira Carvalho disse...

Pois cá estou eu meu amigo.
Vim ler o seu artigo e gostei muito, pois acho estes posts, matéria de aprendizagem.
Um abraço e as melhoras.
Uma boa semana

Isamar disse...

Querido Amigo

Venho reler teu post, um trabalho de muito bom gosto e que interessa a muitos de nós. Obrigada pelo excelente serviço que nos estás a prestar.
A pintura, a escultura, o teatro, o cinema são outras paixões que há muito acalento.

Beijinhosssss

Joaninha disse...

Gosto muito da obra.
Tenho uma gravuras em casa, curiosamente de um dos quadro que aqui tem "A biblioteca" e outro que não me recordo do nome mas penso que é "Maio". São lindos
Bom post ;)

Bj e boa semana

António Inglês disse...

Maria

Acho que Vieira da Silva é suficientemente conhecida e valorizada no mundo inteiro mas no seu próprio país, creio que ainda não lhe foi prestada a verdadeira homenagem.
É sempre assim, parece que temos sempre algum constrangimento em homenagear os nossos famosos.
Tinha de a relembrar também.
Um grande homem e uma grande mulher, portugueses símbolos da Liberdade.
Um abeijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Sophiamar

As tuas palavras continuam a fazer parte dos meus incentivos anímicos.
Continuarei a visitar-te sempre que possa, só espero que compreendas as dificuldades que me têm sido levantadas nos últimos tempos.
Mil beijinhos
José Gonçalves

António Inglês disse...

Elvira

Já passei e já cumpri com as minhas obrigações.
Obrigado pelas suas distinções, eu não mereço tanto querida amiga.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

avelaneiraflorida

Nada tem de me agradecer, eu até gosto do que faço. Pena é que não tenha mais tempo disponível.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Lisa's Mau Feitio

Pois minha querida neta, esta postagem foi feita para si e para todas as netas portuguesas que gostem de arte e em especial a pintura.
Deixo-lhe um grande beijinho
Se continua a tratar-me dessa maneira, eu que já era um avô babado ainda vou ficar pior.
José Gonçalves

António Inglês disse...

Brancamar

Mana, comigo está tudo bem.
Ainda bem que gostas-te do que postei pois senti que tinha de homenagear uma grande mulher portuguesa já que tinha prestado homenagem a um grande homem português.
Um grande beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Carminda

É como diz, ninguém mais lhe tirará esse valor. Vieira da Silva é já Universal.
Um grande beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Elvira

É sempre um prazer imenso tê-la entre as coisa que aqui vou deixando.
Deixo-lhe um grande abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Sophiamar

As artes são apaixonantes mas têm de se sentir.
Eu não tenho arte nenhuma, mas teria gostado de ser tocado pelo menos por uma, só que isso não aconteceu.
No Colégio ainda tentei fazer teatro e até parece que não me saí mal de todo, mas foi sol de pouca dura.
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá Joaninha

Tive o privilégio de ter tido alguns em minhas mãos, pertença de outro grande homem português, o Sr. Jorge de Brito.
Creio que foi até hoje a minha maior experiência bem perto da arte. De resto não tenho arte nenhuma minha amiga.
Um beijinho
José Gonçalves

ivone disse...

interessante e útil

adicionei para mostrar aos meus alunos que estão a pesquisar sobre helena e arpad