quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

BAÚ DE MEMÓRIAS DE UM AMIGO

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Há muitos anos atrás, um malandreco de um cachopo, traquina e travesso, levou os pais a tomarem a decisão de o colocarem como aluno-interno num Colégio perto de Lisboa, propriedade de um Padre irmão de uma vizinha dos pais do dito.

A rebeldia e a brincadeira fizeram com que estas duas almas se deixassem influenciar pelos conselhos da tal vizinha, irmã do Padre e lá foram eles até Benavente, terra onde o Colégio tinha as suas instalações.

Antigamente, as vizinhas passavam os dias em casa pois na sua maioria eram os homens que ganhavam o sustento para a vida. Em Lisboa não fugiam à regra. Era frequente vê-las em amena cavaqueira no intervalo das lides da casa. Os patamares das escadas serviam de autênticas salas de convívio diário.

As portas da escada de serviço estavam quase sempre abertas e o tal traquina corria sem parar de casa em casa. Ora cá ora lá, passava muito do seu tempo na casa da Dona Carmen, uma velhota simpática e viúva que vivia com duas filhas e um filho, todos solteiros, na casa ao lado da dos pais.

Várias foram as vezes que Dona Carmen e a filha mais nova, a Mariazinha, salvaram o malandreco de uns tabefes bem assentes que o pai, qual patriarca, lhe fazia chegar ao pêlo sempre que ele se portava mal.

Nunca foi muito malandro, mas traquina sim. Irrequieto e cheio de vida chegou um dia a ir passear com os outros miúdos da Praça onde viviam, logo que chegou do Colégio onde estudava, trazido pelo transporte do estabelecimento de ensino. Tinha seis anos na altura e regressou três horas depois da habitual, em que a mãe o esperava na varanda de casa, sempre atenta.

Naquele dia, uma pequena obrigação caseira, levou a que a Dona Maria, a mãe, se atrasasse no seu ponto de vigília.

Foram enormes os “aplausos” que recebeu quando chegou da aventura, e não fora a pronta intervenção das vizinhas e teria levado uma boa sova naquele dia, bem aplaudida.

Esta e outras travessuras, foram-se acumulando ao longo dos anos, e a vida comunitária que levavam as famílias de então permitia-lhes fazer algumas confissões das suas vidas privadas, e foi assim que a tal irmã do Padre Fernandes ( figura sinistra e agressiva), influenciou os pais do nosso amigo a interná-lo no Colégio Nossa Senhora da Paz, propriedade do seu irmão.

“Agora é que ele iria ver como as coisas lhe mordiam. Horários e rigor não lhe fariam nada mal e o rapaz tinha de aprender a ser um homem”.

Convém aqui dizer, que a Dona Maria, mesmo em casa, ia fazendo “enchumaços” que o pai do nosso herói vendia aos seus clientes. Era uma ajuda importante para o orçamento familiar. Tempos difíceis aqueles!

Mas voltemos ao malandreco. Lá foi para aluno interno daquele que seria o seu paradouro durante três maravilhosos anos. Nunca até ali, o rapazola tinha tido tanta liberdade na vida. É que os edifícios da referida Escola, eram espalhados pela Vila e assim os alunos iam passeando entre as aulas e as aulas de estudo que lhes eram impostas. Pensionato num lado, Refeitório noutro e Escola em outro local ainda, iam dando asas à liberdade nunca antes gozada.

Para lá da brutalidade que o seu proprietário utilizava para com os alunos sempre que para isso era solicitado pelos professores da escola, foram realmente anos bem passados pois o resto compensava as amarguras dos bofetões dados pelas mãos enormes do Padre que mais pareciam luvas, de grossas e enormes que eram.

Um ou outro professor também não deixava os seus créditos por mãos alheias e a “menina dos cinco olhos” trabalhava uma vez por outra.

O nosso campeão, utilizava tudo o que estava ao seu alcance para se ausentar devidamente autorizado. Bastou-lhe aperceber-se de que entrando para diversas actividades exteriores ao Colégio, isso lhe dava o direito de andar sempre na rua em reuniões, treinos ou visitas.

Era uma escola razoavelmente bonita que nunca saiu da cabeça do Tó, diminutivo por que era conhecido. Regras e mais regras eram a regra do colégio.

Quando se portavam mal os alunos internos, sofriam o castigo de não ir a casa no fim de semana seguinte, com alguns bofetões à mistura.

Numa longa e atribulada noite, uma das muitas guerras de travesseiros instalou-se entre as camaratas do Pensionato, actividade normal entre alunos internos de colégios. Uma guerra divertida que normalmente acontecia antes das férias ou de grandes fins de semana. Naquele, o Perfeito, que servia de guardião da rapaziada e no Pensionato dormia também, resolveu acordar e procurar os nomes de todos os intervenientes na contenda.

O nosso valente, que tinha entrado na luta à força e numa altura em que estando nu não tivera tempo de vestir o pijama, não se fez rogado e lutou enquanto teve forças, tal como Deus o trouxera à terra.

Como já era namoradeiro e estavam em vésperas das férias de Carnaval, tinha em Lisboa à sua espera uma festa em casa da namorada da altura.

Temendo o pior, e não podendo perder o fim de semana, resolveu saltar assim mesmo como estava, para o telhado do Pensionato, onde esteve ao frio cerca de duas longas horas, por detrás das águas furtadas por onde saíra, na esperança que o Perfeito se deitasse e não tomasse nota do seu nome, para que o fim de semana não fosse estragado.

Qual quê! O malandro do José António, o Perfeito, esperou calmamente o seu regresso à cama, e foi dar-lhe conhecimento de que constava da lista dos mais activos. Bufos? Nunca se chegou a saber.

Claro que o castigo não se fez esperar. O abrutalhado Padre foi pessoalmente comunicar a todos que as férias iriam ser passadas no colégio e com aulas de estudo. Foi a bomba atómica que caíra sobre as cabeças de todos.

No dia seguinte, esquecendo o castigo e respondendo aos apelos do coração, o personagem desta história, bem escondido, meteu-se na camioneta para Lisboa e não fora a rápida correria de um tio na perseguição da camioneta, que veio a interceptar já no Porto Alto, e talvez tivesse sido convidado a sair do Colégio.

Na tarde do primeiro dia do castigo, o tal Padre Fernandes, de coração amolecido acabou por perdoar a todos e as férias lá se cumpriram, tendo o nosso protagonista feito o gostinho da sua amada e esteve na festa de Carnaval tão minuciosamente preparada por causa dele.

Coisas do baú de memórias de um traquinas, mas bom rapaz, hoje pai e avô bem mais calmo. Somos grandes amigos.

José Gonçalves

10 comentários:

Maria disse...

Tenho idéia de que conheço esse "traquinas"...
... e não tenho dúvidas de que são bons amigos... lol

Beijos

Isamar disse...

A história deste teu amigo, trouxe-me à memória outra história de um amigo meu que também abandonou o colégio mas em boa hora foi interceptado e reconduzido às instalações. Também ele recorda estas travessuras e os seus amigos alentejanos que , não raras vezes, o convidavam para uns fins-de- semana, devidamente autorizados pelos pais, em grandes montes alentejanos onde não faltavam os passeios a cavalo pelas herdades. Mas voltando ao teu amigo, estas diabruras que nos contas revelam a traquinice normal de um rapazito muito vigiado pelos pais , cheio de vitalidade e cujo desejo de liberdade se faz sentir sempre na grande cidade. Confesso-te aqui que ninguém nos ouve, que esta menina, quase a ser avó, era a mais endiabrada da rua pelo que as portas de casa tinham de estar fechadas à chave. Sentido de orientação nunca lhe faltou e sempre que podia saía para brincar com outras meninas. Outros dias , quando lhe apetecia, os passeios eram mais longos. Depois o castigo caía a preceito.
Mas voltando a este "mariola" termo que vem da palavra mar e que nós, algarvios, usamos para designar aquele que "pinta trinta por uma linha" , marotão quase incorrigível,parece-me que gozou três anos inesquecíveis que nem a mão grande do padre os fará esquecer. Felizmente que nós retemos mais os aspectos positivos da vida. É esse espírito positivo e empreendedor que fazem dele o interessante contador de histórias. Todos te ouvimos com muito gosto e sempre que queiras conta as histórias desses amigos da Lisboa de cinquenta/sessenta de que eu tanto gostei.
Tem um bom dia! Dá uma boa passeata! Tem uma amena cavaqueira com os amigos e depois volta para escrever.
Beijinhos

António Inglês disse...

Olá Maria

Este traquinas é hoje um quase sexagenário bem mais calmo, meu amigo do peito...
Um beijinho
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá Sophiamar

Foram mesmo três anos maravilhosos pois a liberdade foi uma realidade.
Para além do controlo que os Perfeitos do Colégio lhes moviam, os alunos faziam uma vida bem normal espalhados pela Vila.
Depois das refeições, passavam um bom bocado no Solar da Herminia, poiso habitual da rapaziada.
Nem mesmo as grandes e fortes mãos do padre os faziam recuar e aposto que todos eles se lembrem com saudade daqueles tempos de meninos e moços.
Um beijinho
José Gonçalves

avelaneiraflorida disse...

Ainda estou a sorrir, Amigo josé Gonçalves...

Uma ternura de história!!!! acho que conheço alguns destes "malandrecos" que viviam na minha rua em Lisboa!!!!
Memórias que se avivam!!!!!
BRIGADOS, por este post!!!!
Bjkas, AMIGO!!!

António Inglês disse...

Avelaneiraflorida

Não sei qual era a rua de Lisboa onde morava, mas este malandreco vivia numa Praça bem perto do Areeiro.
Bons tempos.
Um beijinho
José Gonçalves

Elvira Carvalho disse...

Gostei imenso da história deste malandreco. Amigo é? Porque será que eu tenho a sensaçâo de que este maroto tem a sua cara? Um abraço e obrigada pelo seu apoio e solidariedade.

António Inglês disse...

Olá Elvira

Este malandreco faz-se passar por mim, mas não sou eu... ehehehe... e´um grande amigo a quem empresto a identidade.
Um abraço
José Gonçalves

big river disse...

Era só trocar Benavente por Abrantes e dizia que esse traquinas era eu.
Um abraço "BOAS FESTAS"

António Inglês disse...

Ora viva meu caro cunhado!
Bem vindo ao mundo da blogosfera.
Os traquinas andaram todos em colégios internos, por isso quase todos se conhecem.
Contigo a traquinice foi ainda um pouco mais longe porque me ficas-te com uma irmã.
Ainda bem.
Boas Festas para vocês mas vou ter ocasião de as dar pessoalmente, ou não?
Um abraço
José Gonçalves