segunda-feira, 29 de outubro de 2007

TARRAFAL Vai ser longo o artigo mas tem de ser recordado!


COLÓNIA PENAL DO TARRAFAL 29 de Outubro de 1936


As autoridades portuguesas colocam em funcionamento o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, com a chegada dos primeiros 152 presos políticos.

O modelo da chamada ‘Colónia Penal do Tarrafal’, em Cabo Verde, onde a 29 de Outubro de 1936, chegaram os primeiros 152 presos dos 340 que por lá passaram, era igual aos dos campos de concentração nazis, onde Hitler promoveu o holocausto. Um dos desterrados, Edmundo Pedro, que integrava o grupo ao lado de seu pai, lembrou a precariedade das instalações, em tendas de lona, a incomunicabilidade com o exterior, as barreiras de arame farpado e as próprias características do local.
O Campo do Tarrafal serviu para presos políticos desterrados de Outubro de 1936 a Janeiro de 1954

“Era a zona mais inóspita, seca e quente, da ilha de Santiago, em Cabo Verde”, salienta Edmundo Pedro que lá passou nove anos e escapou à morte por pouco. Foi recambiado para Lisboa na Primavera de 1945, para responder em tribunal, e chegou tuberculoso ao continente, mas conseguiu melhorar nos três meses que passou na cadeia do Aljube à espera de julgamento.
Sofreram torturas mais de três centenas de resistentes à ditadura fascista, nomeadamente comunistas e anarco-sindicalistas. Edmundo Pedro sempre lutou pela liberdade, arriscando a própria vida e sem esmorecimento, apesar de tudo o que sofreu no ‘campo da morte lenta’. Por sua vontade, o Tarrafal era uma lição de história para todos os portugueses.

MÉDICO PARA "PASSAR ÓBITOS"

O número de 32 presos mortos no Campo do Tarrafal, entre 1936 e 1948, desmente a marca ‘paternalista’ dada muitas vezes à ditadura de Salazar. Com a escolha do local de desterro, na pior zona da ilha de Santiago, tentou-se de facto levar à morte os mais aguerridos resistentes ao regime.
Directores do campo como Manuel dos Reis, João Silva e Henrique Seixas admitiam que “quem vem para o Tarrafal vem para morrer” e ao médico Esmeraldo Pais Prata é atribuída a frase “não estou aqui para curar doentes, mas para passar certidões de óbito.”
A historiografia sobre o Tarrafal é, porém, limitada, sendo a maioria dos trabalhos ligada a autores que parecem querer fazer sobretudo a exaltação do papel do PCP na resistência à ditadura.


A FUGA


Edmundo Pedro, dirigente histórico do PS, nasceu em Samouco, concelho de Alcochete, a 8 de Novembro de 1918. Foi operário no Arsenal até ser preso no Tarrafal, correspondente de línguas estrangeiras, deputado do PS durante 11 anos e administrador de empresas

Em Memórias - Um Combate pela Liberdade, Edmundo Pedro descreve a mais rocambolesca tentativa de fuga do Tarrafal, esse "campo da morte lenta" aberto pelo regime fascista. À margem da organização prisional do PCP, Edmundo Pedro, Gabriel Pedro (seu pai), Augusto Macedo, Tomás Rato e Nascimento Gomes planearam uma fuga quase ignorada na bibliografia tarrafalista.

Como surgiu a ideia de fugir da ilha?


A fuga foi decidida à revelia da organização prisional do PCP (a que pertencia), porque a estrutura reservava o direito de escolher quem devia fugir. Durante muitos anos, acatei a orientação, mas, às tantas, convenci-me que eles não fugiam nem deixavam fugir. E a disciplina partidária era um obstáculo mais forte que o arame farpado.

Qual era o plano?


Aproveitava-se haver um barco de cabotagem que passava pela ilha de Santiago, em Cabo Verde, uma vez por mês. Tínhamos quatro horas até darem pela saída para chegar ao barco, tomar conta dele e rumar em direcção ao continente africano. Só por grande azar é que não conseguimos. Falhou por uma coisa estúpida.

Mas como iludiram a vigilância?

O controlo da saída era feito num quadro onde o guarda punha um traço a giz por cada preso que saía. Do campo só saiam os "rachados" [arrependidos], que andavam à vontade cá fora e regressavam à noite; ou os que tinham um pretexto. Eu e o Macedo saímos com uma bateria para ir carregar na central eléctrica; o Rato e o Nascimento para ir rachar lenha na messe dos guardas. Decidíramos sair uns minutos antes da rendição, porque o guarda que entrava já não sabia se o traço correspondia a um "rachado" ou a um preso que tinha acabado de sair. O mais difícil era o meu pai, porque não tinha pretexto. A fuga só prosseguiria se conseguisse deixar o campo sem ser notado. Ele andava a descarregar a água - transportada desde a fonte até ao campo em quatro bidões de 200 litros -, foi empurrando a vagoneta até à porta e conseguiu passar encostado aos bidões do lado contrário ao guarda - e nós a ver.

Que falhou?

O Rato e o Nascimento foram passar junto do sítio onde estavam os "rachados", em vez de fazerem o contrário, que era dar a volta ao campo e dirigir-se ao monte, situado a quatro quilómetros, onde nos encontraríamos todos. Os "rachados" denunciaram-nos. Nós os três, que já estávamos no alto do monte, a certa altura começámos a ver os capacetes brancos dos guardas a correr atrás de duas pessoas. Eles encaminharam-se para o centro da ilha, procurando desviar as atenções. O meu pai, que passara pela praia, tinha visto um barco de pescadores abandonado. Corremos nessa direcção e, quando chegámos à praia, estavam lá dois barcos e três cabo-verdianos. Ameaçámo-los com uma pistola de imitação que eu tinha feito e um raspador [lima afiada] que parecia um punhal. Tentámos comprar o barco com o dinheiro que conseguíramos arranjar, mas eles não quiseram, pois viram que éramos prisioneiros fugidos. Tomámos o barco à força, levando os remos do outro também, com a ideia de chegarmos ao porto, a cinco quilómetros, e tomar conta do palhabote, um barco a vela e a motor.

Os pescadores ficaram quietos?

Assim que se viram livres de nós, correram até ao campo para nos denunciar e terão encontrado os guardas que perseguíam os camaradas. Então, eles deixaram os outros fugitivos (um só foi apanhado quatro dias depois e o outro dez dias após a fuga) e correram para a praia. Quando lá chegaram, gritaram, dispararam vários tiros, mas nós continuámos a remar. Estávamos convencidos que não havia outro barco capaz de nos perseguir, mas, infelizmente, havia. O barco que nos perseguía era cada vez maior e o meu pai estava completamente esgotado. Até que não tivemos outra solução que não fosse ir para terra. Só que ali não havia praia, o barco foi contra as rochas e desfez-se em mil bocados. Caminhámos ao longo de um carreiro que havia no planalto e, a certa altura, eles pararam, mas eu não aceitava render-me. Andei mais uns 400 metros até encontrar um gruta baixa e profunda. Vim ter com eles para lhes propor que nos escondêssemos até à noite.

O esconderijo não seria seguro?

Tínhamos fugido às dez da manhã, a contagem era feita às duas da tarde e, naquele momento, devia ser meio-dia. Ficámos à espera. Passaram as três, as quatro, as cinco horas e já considerávamos que, chegada a noite, podíamos sair dali. Ao fim da tarde, começámos a ouvir um barulho ao fundo do vale e, às tantas, apareceu um exército de maltrapilhos, porque tinham posto a nossa cabeça a prémio, com uns 30 ou 40 cabo-verdianos, com pedras e paus, mais dois soldados indígenas com as espingardas Mauser e os dois guardas prisionais. O primeiro a espreitar foi um miúdo com uns dez anos. Chamou o dono do barco que tínhamos destruído, um gigante, que olhou para dentro da gruta e gritou: "cata gajo!"

Que ninguém esqueça o tarrafal e os que por lá passaram.

Fotos e texto tirados da Net (Portugal Web)

20 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Que bom trabalho de denúncia, e memória.
Que lhe dizer José? Nós tinhamos conhecimento de certas coisa que se passavam no Tarrafal e em Peniche. Nalguns sítios mais mas segundo se dizia o pior era nesses dois sítios. Porém nada estavavamos muito longe da realidade. Se bem que em algumas esquadras do país eram tão persistentes, que dali já não precisavam ir para mais lado nenhum senão para o cemitério.
Um abraço e boa semana

António Inglês disse...

Elvira
Bom dia.
Esta triste realidade do nosso País, não a podemos esconder nem esquecer.
Como Edmundo Pedro muitos outros passaram horrores nestes campos de prisioneiros ou colónias penais como lhes quiserem chamar.
Infelizmente, a memória de muitos é curta e por isso temos de vez em quando do os lembrar...
Um abraço e um bom dia (um de cada vez)
José Gonçalves

Elvira Carvalho disse...

José, vim aqui agora por 2 razões. 1ª O abraço que deu ao Salvador, neste dia que vai começar uma nova fase da sua luta contra a doença. Eu sabia que podia contar com esse enorme coração.
2º Vou contar-lhe um segredo mas não diga nada. Eu sei que você conhece aquele mar. É o Baleal. Se reparar no vídeo, vai reconhecer aquelas rochas fatiadas.
Um abraço

Isamar disse...

Longo como convém para que jamais seja esquecido. Não esqueçamos os bons momentos porque eles dão cor à nossa vida mas não deixemos cair no esquecimento aqueles que mancharam de negro a nossa história, que nos tiraram a liberdade e que muitos gritos de dor, muita ansiedade, muito temor, muito horror espalharam pelos lares de gente trabalhadora, honesta que mais não queria do que justiça, paz, pão, liberdade, esperança...
Belo post,amigo!
Tens no meu blog um desafio. Eu aceitei-o com todo o gosto da Avelaneira florida e aqui to deixo.

Beijinhossssssss

António Inglês disse...

Olá Elvira

Fui realmente visitar o Salvador mas pensei muito antes de deixar um comentário.
Nestas circunstâncias, acho que as pessoas querem apoio e amizade e não qualquer atitude que possa cheirar a compaixão. Ainda por cima vindo de um qualquer que nem se conhece.
Por isso medi muito bem as palavras antes de o fazer.
Não sei o que o Salvador irá dizer, mas gostaria que me dissesse apenas olá amigo, mais nada.
São momentos delicados que nos fazem pensar muito antes de agirmos ou dizermos qualquer coisa.
Com a força que o Salvador tem, duvido que perca este desafio, vai ver.
Quanto às imagens do mar, pois minha miga, realmente estas rochas diziam-me algo, só que é muito difícil adivinhar.
De vez em quando vou a Peniche e ao Baleal, até porque tenho um compadre que tem lá casa e um dia destes tentarei localizar mais ou menos o sitio onde esteve, afinal aqui tão perto de São Martinho do Porto.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá sophiamar

Estes cenários horríveis da nossa história nunca deveriam ser esquecidos nem votados ao silêncio.
Alguns de nós vamos lembrando aos nossos filhos o que foi realmente a parte mais suja da história do nosso País.
Irei até ao sophiamar seguramente, e obrigado.
Um abraço
José Gonçalves

Isamar disse...

Claro que podes contornar esse pequeno obstáculo, amigo. No fundo, estes desafios mais não são do que elos que pretendemos manter por aqui. E que tão bem me sabem.
Deixo-te um abraço grande da amizade que vamos fazendo.

Beijinhos

Bichodeconta disse...

Que importa que seja grande o artigo? Há que recordar, dar a conhecer aos mais novos o que foi o campo de concentração do tarrafal..Quem por lá passou, o que sofreu.. Porque, com que intenção..Obrigada pelo artigo..um abraço

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá José, de facto o artigo foi longo, mas valeu a pena recordar,
que se já passou e continua a passar-se muita vergonha neste Paìs.
Parabéns amigo.
Muitos beijinhos,
Fernandinha

António Inglês disse...

Olá bichodeconta

A memória dos homens por vezes é curta.
É preciso que de vez em quando um de nós vá lembrando as vergonhas que se fizeram e ainda vão fazendo.
Nunca é demais.
Um abraço
.
José Gonçalves

António Inglês disse...

Olá Fernadinha

É mesmo minha amiga. Que nunca ninguém se esqueça.
É preciso manter a memória viva.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Obrigado Sophiamar, assim as coisas melhoram um pouco.
Logo responderei ao desafio.
Um abraço
José Gonçalves

Belisa disse...

OLá

Gostei da sua visita e só quero dizer que é com estes textos que nós temos a noção do que foi o Tarrafal.
Serão recordações tristes mas que fazem parte da nossa história e como tal ser divulgado, nunca é demais!

Beijos estrelados

António Inglês disse...

Olá Belisa

É verdade, esta é uma realidade indesmentível e por isso os nossos filhos têm de conhecer a parte negra da nossa história.
Não podemos andar eternamente a mostrar a história de Portugal como um modelo de virtudes. Episódios houve que nos envergonham e que não podemos esquecer.
O Tarrafal é um deles e bem triste.
Um abraço
José Gonçalves

Maria disse...

Eu vou pedir desculpa a todos mas este texto não ilustra na totalidade o que foi o Tarrafal. Mas também não me espanta, José, porque o problema não está no teu post, mas sim onde foste buscar a informação. Há uma tentativa de branquear tudo o que se passou durante 48 anos, e esta frase

"A historiografia sobre o Tarrafal é, porém, limitada, sendo a maioria dos trabalhos ligada a autores que parecem querer fazer sobretudo a exaltação do papel do PCP na resistência à ditadura."

retirada do meio do texto da Portugal Web diz quase tudo...

Porque não fala na "frigideira"?
Porque não fala nos trabalhos forçados?
Porque não fala nas torturas?

Mas quem é que foi para o Tarrafal senão os militantes do PCP?
Porque não falam da vinda dos mortos do Tarrafal para Portugal, depois do 25 de Abril e do monumento que os recorda no cemitério do Alto de S. João?

E depois a nossa História de resistência não se confina ao Tarrafal e a Peniche. Então e Caxias? E o Aljube? E a Penitênciária de "5 pontas"? E a própria sede da Pide, onde morreu gente que não resistiu à tortura?

Desculpa, José, mas este teu post acordou-me!
O próprio Edmundo Pedro poderia contar outras experiências, se calhar contou, só que a P.Web decidiu relatar apenas a tentativa de fuga....

É preciso não apagar a memória que é de todos nós. É preciso não permitir o branqueamento do regime anterior. É preciso tanta coisa, ainda, 33 anos depois......

Obrigada pela oportunidade deste teu post.
Nem vou reler o que acabei de escrever, para não cortar nem acrescentar nada.
Foi o que saiu. É assim que eu sou.

Beijinho

Elvira Carvalho disse...

Vim agora ao pc. Fui saber notícias do Salvador e a seguir vim aqui porque me parece que não tem estado muito bem. Cheguei e vejo o mesmo post de ontem. E fico em cuidado. Está tudo bem?
Um abraço

António Inglês disse...

Olá Maria.

Não tens de pedir desculpa a ninguém. A tua intervenção é oportuna e merece outro tipo de tratamento que não seja um comentário apenas. Por isso iria fazer uma nova postagem com o teu comentário, posso?
Efectivamente, socorri-me de alguns sites sobre o Tarrafal, mas não querendo tornar-me "chato", decidi, relembrar este pequeno episódio de entre muitos outros, pois o importante era relembrar a data.
Aliás eu não vi em nenhum orgão da comunicação social qualquer alusão a ela.
Um grande abraço e obrigado pela partilha que me fizeste. Nunca é demais mostrar aos jovens o que foram os anos da vergonha do nosso País.
José Gonçalves

António Inglês disse...

Elvira

O seu cuidado é precioso e agradeço-lho.
Efectivamente não se passa nada, apenas que nestes dias tenho estado muito tempo fora de casa e isso deixa-me sem possibilidades de vit por aqui.
Neste momento, foi apenas de fugida e não quis deixar de lhe responder.
Logo á noite, mesmo noite dentro espero poder um pouquinho de tempo para voltar ao convívio dos amigos que muita falta me fazem.
Diz-me que foi saber novas do Salvador. E soube? Eu ainda não voltei lá, até porque achei que era muito cedo, mas....
Espero que esteja tudo bem e logo, lá irei.
Um grande abraço pela amizade e pelo cuidado que tem em estar atenta às minhas emoções.
José Gonçalves

avelaneiraflorida disse...

AMIGO JOSÈ GONÇALVES!!!!

QUE A MEMÒRIA NUNCA SE CALE!!!!! QUE O FUTURO REAPRENDA O QUE NÂO DEVE REPETIR DO PASSADO!!

UM RESTO DE BOA NOITE!!!

António Inglês disse...

Avelaneiraflorida

Faço minhas as suas palavras.
Que a memória nunca se cale!
Um abraço
José Gonçalves