sábado, 25 de outubro de 2008

O VELHO DA HORTA

IIª PARTE


Vem um Parvo, criado do Velho, e diz: Dono, dizia minha dona que fazeis vós cá té à noite?

Velho: Vai-te! Queres que t’açoite? Oh! Dou ao demo a intrujona sem saber!

Parvo: Diz que fosseis vós comer e não demoreis aqui.

Velho: Não quero comer, nem beber.

Parvo: Pois que haver cá de fazer?

Velho: Vai-te daí!

Parvo: Dono, veio lá meu tio, estava minha dona, então ela, metendo lume à panela o fogo logo subiu.

Velho: Oh Senhora! Como sei que estais agora sem saber minha saudade. Oh! Senhora matadora, meu coração vos adora de vontade!

Parvo: Raivou tanto! Resmungou! Oh pesar ora da vida! Está a panela cozida, minha dona não jantou. Não quereis?

Velho: Não hei de comer desta vez, nem quero comer bocado.




Parvo: E se vós, dono, morreis? Então depois não falareis senão finado. Então na terra nego jazer, então, finar dono, estendido.

Velho: Antes não fora eu nascido, ou acabasse de viver!

Parvo: Assim, por Deus! Então tanta pulga em vós, tanta bichoca nos olhos, ali, cos finado, sós, e comer-vos-ão a vós os piolhos. Comer-vos-ão as cigarras e os sapos! Morrei! Morrei!

Velho: Deus me faz já mercê de me soltar as amaras. Vai saltando! Aqui te fico esperando; traze a viola, e veremos.

Parvo: Ah! Corpo de São Fernando! Estão os outros jantando, e cantaremos?!...

Velho: Fora eu do teu teor, por não se sentir esta praga de fogo, que não se apaga, nem abranda tanta dor... Hei de morrer.

Parvo: Minha dona quer comer; Vinde, infeliz, que ela brada! Olhai! Eu fui lhe dizer dessa rosa e do tanger, e está raivada!

Velho: Vai tu, filho Joane, e dize que logo vou, que não há tempo que cá estou.

Parvo: Ireis vós para o Sanhoane! Pelo céu sagrado, que meu dono está danado! Viu ele o demo no ramo. Se ele fosse namorado, logo eu vou buscar outro amo.

Continua...


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